• capítulo dois •

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As lembranças do que veio depois são muito vagas. Me lembro de rostos embaçados ao meu redor, chamando pelo meu nome. Me lembro de ouvir uma sirene ao fundo e depois de ser levada para uma ambulância. Mas nada além disso. Assim que entrei na ambulância apaguei de vez.

* * *

Quando acordei, meu rosto pendia para o lado esquerdo e a primeira visão que tive foi da janela e da noite que havia lá fora. Movimentei o pescoço olhando ao redor e senti um leve desconforto. Alguns aparelhos ligados a mim e nenhum móvel além da cadeira onde a minha mãe estava sentada. Eu tentei me sentar na cama e foi então que aquele desconforto foi insuportável. Uma dor de cabeça que me fez acreditar que alguém martelava incessantemente meu cérebro.

— Fique deitada — disse minha mãe. — Como está se sentindo?

— Acho que poderia estar melhor. O que aconteceu?

— Você caiu, pelo que eu soube. Mas está tudo bem. O médico disse que não teve nenhuma lesão grave. Só precisam que passe essa noite aqui para monitorarem você. — Eu começava a me sentir mais tranquila. — A Vivian está lá fora faz algumas horas. Quer ver você. Vou tomar um café enquanto conversam.

Eu assenti e ela saiu.

— Como você está? — foi a primeira coisa que Vivian disse.

— Bem, se você não levar em conta que quase me matou, eu diria que estou muito bem. E você?

Eu não estava brava com ela, não de verdade, nem a culpava por aquilo. Mas precisava jogar um pouco com ela. Depois de acabar em um hospital, eu meio que tinha esse direito.

— Me desculpa. — Ela parou ao lado da cama. — Eu não achei que... ah, foi um merda, eu sei. Desculpa... era para ser só um empurrão de brincadeira... era para você cair na água... Desculpa, eu não sei o que dizer, só me desculpa.

Ela se sentia realmente culpada, dava para ver isso na expressão dela. Tentei ver as coisas pelo lado bom: eu tinha uma amiga que, apesar de inconsequente, se preocupava de verdade comigo.

— Está tudo bem — eu disse. — Não foi nada demais, pelo que a mãe me disse. Logo logo estarei novinha em folha e você vai poder tentar me matar de novo.

— Para... — pediu ela, mas entrou na brincadeira: — Na próxima você não escapa.

Mesmo que a cada gargalhada uma parte diferente do meu corpo doesse, nós rimos como nunca antes.

* * *

Por um momento logo após o acidente, antes de apagar, eu achei que pudesse ter sido algo realmente sério, que eu poderia até morrer. Talvez não morrer, mas ter complicações e essas complicações me levarem à morte ou coma. Todos os meus pensamentos se centravam nessas ideias, um tanto dramáticas e pessimistas. O que aconteceu não foi isso, é claro; eu estava bem, até mais do que se esperaria depois de uma queda daquelas. Mas aquilo, o acidente, apesar de não ter sido grave, me fez perceber que eu não podia contar com o amanhã. Porque o amanhã podia de fato nem existir.

Nunca se tem ideia de o quão frágil se é, nem de o quão fácil é deixar de existir até que se passe por algum tipo de situação como aquela. Não prometi a mim mesma viver cada minuto como se fosse o último, coisas estilo carpe diem e tudo mais, porque seria besteira. Ninguém consegue viver todo minuto como se fosse o último. Tem que se desperdiçar alguns minutos com coisas idiotas, dormindo ou simplesmente olhando para o nada. Por isso, ao invés de prometer algo impossível de cumprir, prometi a mim mesma que pararia de deixar tudo para amanhã e que faria tudo que eu tivesse vontade, sem deixar para depois. Não viveria cada minuto como se fosse o último, só viveria cada minuto como eu tivesse vontade de viver.    

O Azul do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora