Corra!

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Livie está escondida atrás dos arbustos, frente à garagem de uma casa geminada. A garota consegue sentir a umidade das plantas sobre sua pele, mas se esforça em apenas dar atenção à cena que desabrocha alguns bons metros a sua frente: um homem alto de barba conversa amigavelmente com uma senhora que carrega caixas de papelão. As portas duplas da garagem estão entreabertas e ela tem um certo vislumbre do que acontece por lá. Quase sem querer, seus olhos se desviam para o papel ligeiramente amassado em sua mão. Os dizeres são claros: entre na garagem da casa 337 do Grace Condominium e localize o próximo papel. Eles estão chegando, então é melhor agir rápido.

Ela já está cansada dessa situação, mas se não seguir corretamente as instruções, pode colocar tudo a perder. Como se o destino estivesse a seu favor, uma oportunidade surge diante de seus olhos preocupados: a mulher entra para a casa com suas caixas e o homem também se retira. Essa é a chance perfeita para que Livie entre na garagem, encontre o maldito papel e saia o mais rápido possível.

Após observar com atenção se não há algum vizinho ou transeunte por perto, Livie sai do meio dos arbustos, coloca o capuz e abaixa as mangas de sua blusa, inspira o máximo de ar possível e encara a garagem com determinação. Um calmo e retumbante trovão prenuncia a chegada iminente da chuva e dá o sinal para que a garota solte o ar, que havia prendido sem nem mesmo se dar conta, e caminhe até a porta da garagem.

Sua tensão diminui a cada passo que dá na direção do que pode ser a resposta para o seu maior problema, até que algo com o que não tinha contado acontece.

— Posso ajudá-la mocinha? — o homem barbudo reaparece do outro lado da mureta.

Toda a tensão que havia saído do corpo de Livie volta, agora multiplicada por dez. Seu coração bate tão rápido que ela tem medo de que o homem perceba mesmo através de sua blusa, e gira sobre os calcanhares lentamente, maquinando a respeito do que pode dizer a ele.

— E-eu... É... Bom... — nada lhe passa pela cabeça enquanto esmaga o papel, já amassado, dentro de seu bolso. — A-acho que não. Está tudo certo.

Ela desvia seu olhar, o que teme ter sido um erro, mas então percebe uma van aberta com algumas caixas iguais às que a senhora havia carregado para dentro, e nelas estava escrito mudança. Uma ideia arriscada percorreu sua mente tão rápido, que ela nem teve tempo para pensar direito.

— Eu acredito que sou sua nova vizinha — talvez fosse uma ideia idiota, mas seria a coisa mais idiota que faria naquele dia. — Me chamo Livie — ou talvez não!

O pânico é tão grande que ela não consegue nem pensar em um nome diferente para dizer ao homem. Antes que ele possa perceber seu nervosismo e sua mentira, Livie estende a mão. Com uma expressão desconfiada, ele a cumprimenta.

— Sou Mark. Você é parente da Angela?

— Angie! Sim, é minha mãe — ela tenta parecer natural. — Ninguém chama ela de Angela, sabe?

— Sei — ele ainda está desconfiado. — Não imaginava que ela fosse casada, muito menos que tivesse filhos, pelo pouco que me contou.

— N-não! Na verdade, meus pais estão divorciados. E eu sou filha única.

Quanto mais história ela inventa, mais acredita que o homem vai pegá-la na mentira.

— Bom, nesse caso, seja muito bem-vinda, Livie — ele sorri simpaticamente. — E, como eu já disse para sua mãe, pode contar comigo para qualquer coisa que precisar.

— Muito obrigada. Bem, nos vemos, Mark.

Ele se retira novamente e Livie suspira de alívio. Por sorte, ela tem um biótipo muito comum, assim como a senhora que acabara de se mudar, e talvez por isso Mark tivesse se convencido de que elas realmente eram mãe e filha.

Sem mais demora, Livie adentra a garagem incrivelmente bagunçada para ter sido ocupada há tão pouco tempo, e procura por entre as caixas e objetos espalhados e amontoados, pelo misterioso papel. As nuvens negras e carregadas no céu, e também o fato de estar anoitecendo, não contribuem para que ela encontre mais rapidamente. Isso sem contar com o estresse e a aflição de poder ser pega a qualquer momento invadindo uma propriedade.

Os minutos passam e escurece cada vez mais, trazendo desespero ao coração da pobre moça, que não sabe mais por onde procurar. Seus olhos marejados se tornam mais um empecilho para que ela veja com clareza, mas ela não consegue mais segurar. Sua vontade é de chorar em prantos até se acalmar, muito embora se o fizer tudo vai por água abaixo.

Livie enxuga os olhos e respira fundo. Não pode se dar o luxo de perder tempo. Ela se escora na parede, exausta e pensativa, e então percebe uma coisa. Algumas caixas e objetos estão separados de outros. Ela se aproxima dos que estão mais distantes e nota a poeira por cima deles. Com certeza estão ali há mais tempo que os objetos da mudança.

Finalmente Livie percebe algo que não tinha visto ainda. Um arquivo de metal com quatro gavetas. A menina vai até ele e tenta abri-lo, mas está trancado. Ela procura algo como um clipe, ou prego, para tentar forçar a fechadura e se depara com uma pequena lasca no piso. O arquivo tinha sido movido recentemente.

Com o restante de suas forças, Livie empurra o pesado arquivo, que faz um barulho estrondoso na garagem. Atrás do arquivo, encontra o papel, colado com fita adesiva. Ela abre e o lê com espanto.

— Quem está aí? — a voz da mulher vem da porta entre a casa e a garagem, o que assusta Livie ainda mais e a faz sair correndo do condomínio, debaixo dos finos pingos de chuva que começam a cair.

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