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Capítulo V◆
Retorno

Olhar pela janela do carro ao som de uma música tocante durante uma viagem chuvosa era um dos passatempos prediletos de Yacov. Suspirando pesadamente, ele procurava aliviar sua mente, se imaginando em algum filme dramático onde ele era o protagonista romântico e poético. Uma história de amor tocante, que confortava corações dizendo aos espectadores "Não esquenta, você vai encontrar o amor da sua vida!", corria pelos pensamentos do loiro.
Como quem não quer nada, ele moveu os olhos vagarosamente para o lado, fitando a irmã cochilando durante o trajeto. De braços cruzados, Yvranka não fazia menção de relaxar mesmo ao dormir. As sobrancelhas curvadas dela provavam isso. Yacov a ajeitou, posicionando a cabeça da irmã gêmea sobre seu ombro carinhosamente, para descansar melhor, e voltou a apreciar a vista da estrada.

Quando a paisagem foi totalmente preenchida por um arco de pinheiros altos, o coração de Yacov deu um salto de empolgação, e em simultâneo, de angústia. Ele se remexeu no banco e respirou fundo. Yvranka o imitou um segundo depois, se aconchegando em seu ombro enquanto olhava pela janela.
Também estou nervosa.
Está?
Ela balançou a cabeça, nem um pingo de empolgação parecia escorrer dos olhos dela. Yacov contorceu os lábios em um bico antes de falar algo.
Eu posso te dar cobertura para ir ver a Blair.
Não quero ver ninguém, não estamos aqui para fazer amizade.
É verdade, estavam ali para serem babacas em nome da família Alkaev. A única pessoa que valia o contato era a velha Ophelia, avó deles.
Por que queremos fechar os mercados mesmo?

Perguntei, demonstrando só querer tirar uma dúvida rápida, e não uma leve preocupação sobre nossa ética trabalhista.
Não queremos fechá-los, queremos reformá-los... o comércio daqui embora aceite exportação, recebe muito pouco comparado a outras corporações. Queremos ampliar, só isso.
Com urbanização?
Uma parte, sim. Não vamos dizimar o comércio dos lenhadores. Faz parte dos nossos contratos com Woodland desde que nossa empresa foi fundada. A exportação de madeira vai continuar..., mas a cidade tem grande potencial para turismo, mas... não o bastante.
Eu acho a cidade muito bonita.
Você tem um gosto que precisa ser lapidado, irmãozinho.
Eu sou vinte minutos mais velho.
Eu era mais alta.
Passado é passado.
O soco que recebi em meu braço foi amigável, por isso não tive medo de abrir um sorriso fraco, mas aliviado. Olhei pela janela outra vez, quando passamos por outro carro, cujo pneu parecia ter furado. Pensei em pedir ao motorista para parar e ajudar, mas causaria transtorno demais, do tipo... eu deixaria alguém bravo. Voltei a olhar para a frente, enquanto sentia, de maneira levemente sufocante, Yvranka enrolar seus dois braços ao meu, me apertando com tanta firmeza, que me senti algemado...

A bateria estava deprimente.
O instrumento ficou guardado no porão por anos e estava todo mofado, empoeirado, destroçado, deteriorado.
Não tinha mais nenhuma utilidade naquele estado, mas serviria pelo menos uma última vez para Blair.

Puxando o banco enquanto segurava as baquetas velhas na mão, me sentei e pensei por onde começar. Tentando repassar os nomes de cada pedaço da bateria, fui tocando devagar. O bumbo emitiu um som oco quando o coordenei com o pé direito, parecia prestes a partir. Falando a verdade, a bateria toda parecia na beira do desmoronamento...
Minha mãe surgiu no sótão com uma bandeja cheia de sanduíches Victoria. Ela tinha um sorriso otimista na face, o que me preparou para a pergunta que eu sabia que ela faria:
— Então? Está funcionando bem? — Antes de responder, deixei que ela percebesse minha cara desapontada. Ela deixou escapar pelos lábios um "Oh!" e se aproximou, parando ao meu lado.
Encostei minha cabeça em seu braço, enquanto pegava um sanduíche e o mordia com firmeza, querendo descontar minha frustração... estavam deliciosos.
— O pedal do bombo está enferrujado, os pratos também. Geralmente, a umidade e o tempo parado estragaram quase tudo... só as baquetas sobreviveram.
Deixei que ela olhasse o instrumento, pensativa.
— Não podemos salvar nem uma dessas caixas?
Enquanto comia outra sanduíche, olhei de novo para a bateria, com um pouco de esperança, testei a sonoridade das caixas superiores outra vez.
— Talvez, o som não parece tão horrível agora que testei de novo.
— Olhe só, sua negatividade estava quase tomando conta de novo!
Com um puxão de orelha, ela tinha a intenção de me advertir sobre minha tendência à auto depreciação. Respondi com um suspiro, e observei ela colocar com cuidado o prato de sanduíches victoria sobre uma mesa velha que estava ali a meses, só esperando para ser reformada e reutilizada, ou até mesmo vendida. Olhei de novo para a bateria, sem saber direito o que fazer com ela, considerando seu estado, primeiro eu deveria procurar conserto ou um conjunto novo, e depois, focar em praticar.

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