Se meus sonhos bastassem,
E pudesse soltá-los no mundo,
Num reverso de Pandora,
Minha caixa espalharia bondades,
Nada restaria em seu fundo.
Nenhuma criança se afogaria
Fugindo de terra alguma,
Pois todas terras seriam
De uma mesma família una.
A fome não existiria.
Nem menino comeria vaca,
Nem leão devoraria menino.
Água e sol e basta.
Como moinhos ao vento,
Como as árvores fazem seu alimento.
Todo mundo saberia
O nome daquela criança lá.
E, se sua mãe demorasse,
Outra lhe prepararia o jantar.
E as escolas seriam
Desprovidas de ignorância.
Livres para toda criança
Que soubesse ensinar
como sorrir sem enrugar a alma,
como abraçar com o coração,
como iluminar sem eletricidade,
como nos limpar da poluição.
Doença alguma afligiria.
A morte apenas nos alcançaria
Quando cansássemos de brincar.
E brincando iríamos
Esconder todas as armas,
Apagar as placas de pare,
Tirar a mola dos botões,
Correr com nossos próprios pés,
Não usar carros nem aviões,
Não prestar atenção à hora de dormir,
Esquecer de fazer a lição,
E rir
E olhar as estrelas de um céu noturno
Desiluminado da combustão das cidades
E mais brilhante de possibilidades.
Como eu,
Você também não entende
Nem de vacas nem leão,
Não deixa de usar carro,
E quase sempre faz sua lição.
Como eu,
Você desconfia
E encolhe se alguém lhe diz
Que lá de longe, lá de Júpiter,
Nosso planeta é apenas um feijão.
Como eu,
Você também é uma criança
Escondida dentro de uma casca,
Brincando de pega-pega.
Daqui,
De onde me habito,
Orbitam astros,
Correm asteroides.
E de longe,
Mesmo que de longe,
Eu vejo você.
E eu aceno
e lhe convido
vem brincar,
vem girar comigo.
E orbitar neste nosso instante
O que há de brilhante.
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Na Companhia da Poesia
PoetryPoemas sobre sonhos, sobre inquietações, sobre celebrar as pequenas alegrias, sobre se assombrar um pouco, sobre provocar um tanto. Principalmente, sobre se viver poesia. A imagem de capa é um detalhe da tela A Primavera, de Botticelli, c.1482. No d...