II - Be Careful What You Desire

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"Sometimes, what you most want will cross your door determined to avoid you at any cost." - The Selection

Naquela manhã acordei com uma estranha sensação de perda. Era como se aquele buraco no meu peito estivesse pulsando, a dor era sufocante.

Eu só queria pular esse dia, apagá-lo da memória e fingir que estava tudo bem, que essa data era como qualquer outra no calendário e que não importava. Mas eu não podia porquê toda vez que olhava para o rosto da minha mãe na mesa do café da manhã, eu conseguia enxergar seu semblante de mágoa e saudade e era como um soco no meu estômago.

Tentei puxar conversa, perguntei como estava sendo o novo trabalho mas suas respostas eram basicamente ruídos e acenos de cabeça, então eventualmente acabei desistindo. Não consegui comer nada apesar da fome e parecia que ela também não já que ficava apenas encarando a xícara de café agora fria em suas mãos.

- Tem certeza que consegue trabalhar hoje, mãe? Posso ligar para o seu chefe e dizer que não está se sentindo bem - perguntei meio perdida.

Eu não sabia o que fazer para ajudá-la quando ficava assim, era como se ela criasse uma bolha impenetrável em sua volta e se fecha-se para tudo e todos, até mesmo para mim.

Era assim desde que meu pai foi embora.

Desde que meu pai cuspiu em nossa cara que estava traindo a mamãe com a irmã dela e que sempre foi ela que ele amou.

Era aniversário dele e tinhamos preparado um jantar especial e o esperamos depois do trabalho, ele ligou dizendo que ia se atrasar mas nós o esperamos, não 1 nem 2 horas mas 4 horas. Acabamos dormindo no sofá da sala enquanto o esperavamos, acordamos com o barulho dele trombando nos móveis de madrugada. Ele parecia tentar chegar ao quarto mas a escuridão o atrapalhava, então mamãe acendeu as luzes e ele parecia ter ficado cego momentâneamente. Mas nós vimos, desejei que mamãe tivesse deixado as luzes apagadas, desejei que ele tivesse ficado na cama dela, desejei que ele não tivesse voltado pra casa.

Ele tinha a gravata e o paletó no braço e os primeiros botões da camisa estavam abertos deixando amostra o chupão se formando em seu pescoço, os cabelos estavam bagunçados e os olhos vermelhos, dava para sentir o cheiro de wisky exalando de suas roupas. Tive ânsia de vômito e coloquei as mãos na boca instintivamente, eu não podia acreditar que isso estava acontecendo, eu percebi que papai estava estranho há alguns dias mas imaginei que fosse apenas problemas no trabalho como sempre, mas eu nunca podia acreditar que ele faria aquilo, ele não era assim ou pelo o menos eu achei que não fosse.

Forcei meus olhos a deixarem sua expressão perdida e olhei para minha mãe para ver sua reação mas não havia uma, ela estava em choque, sua mão direita ainda na tomada e seus olhos presos no pescoço do meu pai. Eu deveria fazer alguma coisa, gritar com meu pai e exigir uma explicação mas o torpor tinha tomado conta de todo o meu corpo. Então ele abriu a boca e deus eu queria que não tivesse feito isso.

- Desculpe pelo atraso meu bem! Eu fiquei preso em uma reunião no escritório e depois saí pra beber um pouco com Henry e ... - ele tropeçava nas palavras tentando encontrar uma desculpa plausível mas o que ele não percebia é que não havia volta, o estrago já estava feito.

Eu não percebi quando mamãe saiu do seu estado de choque, meus olhos apenas captaram o lançar da garrafa de vinho que ela havia pegado da mesa em direção à cabeça do meu pai. Mesmo em seu estado bebado ele ainda tinha bons reflexos e conseguiu se abaixar poucos antes da garrafa antigi-lo, ela se estilhaçou na parede atrás dele manchando o papel de parede com o líquido vermelho sangue.

O que aconteceu a seguir é algo que eu desejaria apagar da minha mente para sempre. Mamãe gritou com ele e o chamou de todos os palavrões existentes e exigiu que ele disesse o nome da vagabunda com quem ele à estava traindo. Meu pai tentou negar e fugir disso a todo custo mas perdeu a paciência depois que mamãe deu um tapa na sua cara e então ele olhou no fundo de seus olhos e disse quem era a sua amante. Minha tia Rose, sua ex-namorada da adolecência. Ele admitiu que sempre a amou e que eles se reaproximaram depois que ela se separou do marido à alguns meses, eles estavam juntos e ele pretendia contar para minha mãe logo.

The Other Side Of Song | KatnicOnde histórias criam vida. Descubra agora