Capítulo 2 - Voo 180. (parte 2/3)

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Parque Robinson, Gotham City, sexta-feira, 08:00 a.m.

Gotham, a cidade onde não cresce quase nada, é assim que eu a chamo. Passei vários dias nessa cidade obscura para visitar um velho amigo e meu ex-professor de universidade, Mark LeGrande. Precisava vê-lo para coletar informações e algumas mudas para as minhas pesquisas que, somente, ele teria. Ele conseguiu adaptar o "polvo do deserto" em sua estufa, um milagre, eu diria. 

A Welwitchia Mirabilis, é uma rara planta gnetófitas da classe Gnetopsida que só existe no deserto do Namibe em Angola. Eu precisava vê-la com meus próprios olhos e se ele estava mantendo-a viva adequadamente. Mark é um ótimo botânico, mas há coisas que preciso verificar com meus próprios olhos. E sim, era uma planta magnífica, deveria ter cerca de 180 mil anos e ele havia conseguido para as minhas pesquisas. Eu estava eufórica por essa descoberta, não podia esperar para voltar para casa. Mas antes de ir embora dessa cidade sem vida, eu precisava terminar o que havia começado desde que cheguei aqui meses atrás.

Eu iria ajeitar o Parque Robinson antes de voltar para Seattle. Sim, queria trazer o verde para a cidade mais obscura de todo os Estados Unidos da América. Estava plantando, regando, podando e alimentando todas as árvores que podia desde que cheguei. Não conseguia entender como as pessoas dessa cidade podiam fazer descaso com essas pobres árvores! Lembro que quando cheguei ao parque, ele estava a beira de um genocídio florestal e por sorte consegui reerguê-lo como uma fênix e agora estava mais belo do que nunca. Os pássaros haviam regressado e os primeiros brotinhos já queriam dar seu sinal de vida. Era o ciclo da natureza voltando ao equilíbrio.

— Doutora Isley, fez um belo trabalho aqui em Gotham - disse uma moça de cabelos castanhos ao querer tocar nas frutas de um galho de árvore.

— Obrigada, mas eu não faria isso se fosse você. Esses frutos são MUITO venenosos. - ela recolheu a mão ao me fitar nos olhos agora e eu continuei: Então, quem é você? - indaguei ao me levantar para fitá-la melhor.

— Sou Kate Kane - esticou a mão para me cumprimentar, porém eu recusei por estar suja de terra. Mesmo assim, ela não se importou, segurou minha mão para o cumprimento.

— Pamela Isley, mas vejo que já sabia disso e posso saber como soube o meu nome?

— LeGrande, a família Kane patrocina algumas de suas pesquisas - disse ela de forma simpática.

— A família mais milionária de toda a cidade deveria cuidar melhor de suas árvores, não acha? - a ataquei. - Ouvi boatos de que querem destruir esse local para construir uma prisão de força máxima para seus lunáticos incontroláveis.

— Você está certa, deveríamos sim. Mas infelizmente esta parte está fora da minha jurisdição Doutora Isley. Os Dent possuem total poder por esse lugar, se eu tentasse mudar qualquer coisa irão atacar de forma negativa.

— E qual é mais importante? Árvores sendo destruídas, violadas ou sua imagem perante o povo? - indaguei.

Ela não me respondeu e eu neguei com a cabeça, após um breve suspiro falei:

— Vocês são todos iguais, sempre se preocupando com vocês mesmos!

— Pam! - Mark tocou no meu ombro chamando minha atenção. - Esses não são os modos para tratar uma das famílias mais importantes de Gotham, querida.

Revirei os olhos e cruzei os braços quando vi Mark tentando contornar toda a situação.

— Olá Mark! - cumprimentou Kate. - Não se preocupe com isso. A Doutora Isley está certa - ela dizia ao me fitar com seus olhos azuis, enigmaticamente, - deveríamos fazer mais por esse parque, afinal estas árvores estavam aqui muito antes do que nós. A corporação Kane é contra qualquer ato que seja prejudicial as reservas florestais. Verei o que posso fazer e falarei com os Dent para contornar essa situação.

— Isso seria incrível Kate - respondeu Mark, - obrigado!

— Ora, não me agradeça Mark, agradeça a sua amiga por ter tamanha coragem - sorriu mais uma vez para mim, algo que não pude retribuir. - Agora se me derem licença, preciso ir para uma reunião. Até breve.

— Tchau  senhorita Kane - falou Mark, depois que ela fora embora ele se virou para mim. - O que tinha na cabeça de falar daquele jeito com Kate Kane? Ela e sua família foram as responsáveis por me ajudarem a conseguir o polvo do deserto.

— Sinto muito se quase prejudiquei seu fundo monetário Mark, mas não posso ficar calada quando as minhas árvores são ameaçadas! - ele fez um ar de riso e falou:

— Você não muda mesmo Pam.

— Talvez tenhamos conseguido mais anos para o parque Robinson agora - estava satisfeita com a minha conquista naquela cidade escura.

Mark e eu voltamos para o seu apartamento no centro de Gotham e esse era o momento que deveríamos nos despedir. Minha adorada planta fóssil já havia sido encaminhada para o jardim botânico de Seattle, onde eu trabalhava como pesquisadora. Ele queria que eu ficasse mais um tempo em Gotham, mas neguei. Queria chegar o quanto antes em casa e começar a trabalhar. Estava desenvolvendo uma pesquisa de uma esfera grandiosa no campo da ciência botânica. Imagine se pudéssemos pegar as características mais apreciáveis de todas as espécies, planta ou animal e combiná-las? 

Plantas e animais são e não são diferentes ao mesmo tempo. Todos os organismos vivos partilham um DNA similar de sessenta por cento do DNA humano e na verdade é o mesmo dessa banana que estou comendo agora no carro do Mark. Na teoria, eu estou criando OGM (Organismos Geneticamente Modificados) híbridos. Mark se ofereceu - ou devo dizer, insistiu - para me levar até o aeroporto de Gotham que estava um tremendo caos! Odeio lugares lotados. Será que meu voo estaria atrasado? Isso iria gerar uma série de imprevistos dos quais não sou apreciadora.

Demoramos mais de vinte minutos para entrarmos no estacionamento do aeroporto. Mark disse para eu me apressar e saber as informações do meu voo, enquanto ele estacionaria seu sedan preto. Rapidamente peguei minha mala preta no banco de trás e sai, seguindo para a entrada do lugar. Tento ser bastante cuidadosa com as minhas coisas e principalmente em momentos de viagens, onde tudo pode acontecer. Por ter uma mala tão comum, decidi colocar um crachá com todos os meus dados e um chaveiro discreto. Estava caminhando para o meu destino quando um idiota de terno verde esquisito derrubou um jarro de flores e quase pisou nas coitadinhas. Eram flores delicadas e não estavam dando sinal de terem sido regadas recentemente. Poderiam morrer ali mesmo. Peguei com todo o cuidado, colocando-as na minha mão e fui as pressas para o hall do aeroporto quase esbarrando em uma loira um pouco mais alta do que eu.

— Cuidado! - ela disse.

— Desculpe! - respondi sem ao menos me virar para fitá-la.

Precisava encontrar uma floricultura naquele ninho de ratos. E para a minha sorte havia uma, dei todas as indicações do que precisava e a funcionária me disponibilizou tudo. Quando terminei meu "salvamento" a flor parecia bem melhor. Você tem jeito com as plantas, a funcionária disse. Respondi com um sorriso pequeno. Mark rapidamente conseguiu me encontrar e eu fiquei surpresa, perguntei como ele sabia que eu estaria ali.

— É só seguir um rastro de terra ou plantas - disse sorrindo de sua própria piada infame, revirei os olhos e fingi descaso.

— Vamos, tenho um voo para pegar.

Deixei minha nova amiguinha com o Mark, afinal, quem era a melhor pessoa depois de mim para cuidar de uma flor?

— Senhoras e Senhores, devido o reposicionamento da aeronave do voo 180, seu embarque será pelo portão quinze no piso superior - disse uma das informantes e fiquei incrédula por ter que me locomover naquele caos.

Duas horas mais tarde... dentro da aeronave.

Estava finalmente dentro do avião, infelizmente tive que despachar minha mala mais uma vez. Esses malditos compartimentos acima das poltronas com suas dimensões minúsculas. Ao menos, minha Welwitschia Mirabilis não corre nenhum risco! Preciso relaxar e esperar para chegar em casa. A aeromoça entra e fornece aquelas devidas informações que todos já estamos cansados de saber. Me pergunto quantas vezes elas dizem a mesma frase durante um ano numa escala de dois voo por dia - estou sendo humilde quanto ao cálculo - talvez, falem setecentos e trinta vezes. Deve ser a frase mais usada delas. Enfim, após todas aquelas instruções "inéditas" estamos voando e confesso que estou animada de voltar para casa! 

E foi à queima roupaOnde histórias criam vida. Descubra agora