Manhãs atribuladas

86 3 0
                                    

 O despertador toca frenètico, e uma Clara de cabelo despenteado acorda vagarosa e solnolenta:

- Bom dia pai, mãe. Que a sorte hoje esteja comigo.- levantou-se da cama e dirigiu-se à cozinha para preparar o seu rotinal pequeno-almoço.

  Hà muito que Clara andava num confronto emocional, com o seu constante insucesso em não conseguir arranjar trabalho e o medo de desapontar os pais que tinham o sonho de ver a sua filha, de 23 anos, com um casamento feliz e um emprego fixo.

   Apesar de ser boa aluna nunca alimentou o sonho de ir para uma boa universidade prosseguir os estudos, tirar um curso, ser a melhor da turma e ser escolhida para trabalhar em varias empresas sem precisar de apresentar diplomas e curriculos. Desde o fim dos seus 17 anos, quando acabou o secundario, procurou emprego em algo que nao exigia grande conhecimento acadèmico. Durante 6 anos desenrascou-se a trabalhar em part-time em varios estabelecimentos - na passagem dos seus 20 anos cerca de 4 - e a maior parte do dinheiro era para os seus pais para pagarem as despesas. Nunca foi vaidosa e desde cedo aprendeu a poupar. Um teto, comida na mesa e bem-estar era tudo o que necessitava e 3 pessoas a trabalharem para uma pequena casa era mais do que suficiente, atè á alguns meses.

    No campo amoroso nunca tivera um relacionamento considerado longo e sólido, apenas uns namoriscos de adolescente. Os homens nunca foram o seu forte e ela via várias vantagens nisso. Todas as suas amigas de secundario encontravam o "amor da sua vida" pelo menos duas a tres vezes por ano e todos esses amores acabavam por ter as mesmas consequencias: choro impulsivo, vontade de comer extrema, ataques de raiva intensos e pensamentos suicidas de uma vida eterna na solidão. Clara poupou-se assim a olheiras, peso a mais, desiquilibrio emocional e insegurança a longo prazo.

   Começaram a raspar na porta da cozinha, dirigiu-se para la e abriu-a.

- Own... Tao linda a minha menina. Dormiste bem bebe? - a cadela sentada no chão e com a cauda a abanar soltou um latido - ainda bem, hoje temos um longo dia pela frente e tens de ter forças para aguenta-lo.- a cadela rodou a cabeça, sinal de que não estava a entender.- Nao te faças de desentendida. sabes bem que tenho sempre algo programado para o dia de Domingo e hoje não ia ser a exeçao. Alem disso, ja não es a cadelinha rebelde e inquieta que me foi dada de presente aos 12 anos - a cadela baixou a cabeça e deixou de abanar a cauda - nao fiques triste. Sabes bem que o que estou a dizer ė verdade, a juventude vai-se e a velhice vem. - saíu do balcão e aninhou-se à beira da sua cadela para lhe afagar o pêlo - Não te preocupes, nao ès a primeira nem a ultima velhinha a reclamar por causa do peso da idade - sorriu, piscou o olho e levantou-se.

    Levou o seu pequeno almoço para a mesa e serviu a sua cadela com a medida da raçao da manha com esta muito atenta aos gestose ás palavras da dona.

  - Sabes o que tenho estado a pensar? Sei que não vais gostar muito do que te vou dizer, mas... - a cadela estacou muito séria em frente de Clara, como se persentisse um perigoeminente. A dona, a sentir a fraqueza tomar conta de si e a molhar-lhe o rosto continuou com dificuldade - Desde o que aconteceu, à uns meses atras, que me tenho sentido sozinha. Nao leves a mal! sabes bem que es a minha menina e que nunca te irei deixar. Mas è que as pessoas daqui são as mesmas de á 23 anos atras e nao há nada de novo, nada que me faça sentir amada e que pertença a esta casa e a esta terra, a estas pessoas. O meu elo de ligação a tudo isto começou a desvanecer-se aos poucos com o que aconteceu...

» Preciso de algo novo. Uma nova varanda, um novo emprego, novos sorrisos e simpatias. Nao me julgues, por favor. conheces-me e sabes bem que se nao fosse algo de importante para mim eu nao estava a dizer estas coisas.

» Depois... Daquilo... Venho a sentir que está na altura de tomar o meu próprio rumo sem influencia de ninguem. Mesmo que os desiluda sei que estou a fazer aquilo que ambiciono e que acho que è o melhor para mim sem deixar de os amar e de seguir os seus conselhos. O que achas? - a cadela retribui-lhe um latido de concordância - Ótimo, hoje vamos à cidade!

                                                                                                                                                                * * *

-  Fodasse pah! Metam a musica mais baixa! Està aqui alem a tentar dormir !

   O seu cão andava de um lado para o outro do quarto a ganir, também inconfundivelmente, incomodado com o barulho. Como ninguem respondia Tomàs decidiu ir atè ao sitio de onde o exagerado volume da musica vinha: o quarto do seu irmao. Deambulou de boxers até à outro lado do pequeno corredor e bateu á porta:

 - Desliga-me isso já ! - Nao ouve nenhuma alteraçao nem nenhuma resposta do irmao vinda de dentro e por isso decidiu abrir a porta impulsivamente.

- Tomás! - a musica parou- Não sabes que è falta de educaçao entrar no quarto das outras pessoas sem autorizaçao? - perguntou o irmao envergonhadamente furioso cobrindo com os lençois da cama, caídos no chao, o seu corpo nu.

   Tomás, mais do que arrependido por ter feito aquilo e com a mão à frente dos olhos para tentar nao ver a cena defronte de si, ripostou:

- Porra Hèlio, nao tens o minimo de respeito pelas pessoas desta casa? - o cao, que tinha acompanhado o dono lançou um latido de aprovaçao em relaçao a este- Podias ter avisado que ias trazer alguem cà a casa. Vistam-se imediatamente ! O ar da cidade faz-vos mal.

-È este o teu irmão? - Tomás que ja tinha virado costas para se ir embora rodou de novo em direcao ao interior do quarto quando ouviu o outro rapaz a falar.

- Sim, sou o irmao do Hèlio, porquê?

  Rodrigo que viu naquele jovem de 23 anos um porte alto e atletico, bem musculado com  peitorais e abdominais bem definidos não conseguiu esconder a sua satisfação. Estes promenores conjugados com a reduzida roupa interior e a saliente forma do membro viril exitaram-no profundamente mas não se poupou a perguntar descaradamente com um á vontade desumano: - E tens a certeza que nao és gay? - Tomás revirou os olhos e saiu batendo com a porta.- È pena. Bem borracho o teu irmão Hèlio, acredita que me consegui satisfazer umas belas fantasias com aquele corpo de deus. Que estas a fazer ?

- Nao ouviste? A vestir me. - respondeu Hèlio com os olhos postos no chão envergonhado.

      Rodrigo levantou-se da cama completamenta nu e dirigindo-se ao outro disse:

- Tens 19 anos e ainda andas a mando do teu irmao ? Está bem que ele impõe respeito com a sua presença, mas ja tens idade mais do que suficiente para saber o que queres e quem queres na tua vida. Deixa de ser bebé e toma uma atitude de homem grande.

- A única coisa grande que eu quero agora è esse pau que tem estado a chamar por mim.

- Assim gosto mais. Vamos lá saciar-nos.- e Hélio, perdendo toda a sua vergonha, saciou-se.

    Sentado na cozinha Tomás desabafa sem prestar atençao ao seu cão que andava de um lado para o outro a ouvi-lo inquieto, como se os seus problemas fossem também os do dono.

- Este rapaz não aprende... Há sete meses que trás para cá tipos que conhece na noite e que nem sequer sabe se são de minima confiança. Passa os dias a fumar o que não deve e a fazer o que lhe dà prazer sem segurança. Porra ! - arremessou os livros da mesa para o chão num ato de plena furia- porque è que segue os maus exemplos como se nunca tivesse aprendido uma lição no raio desta vida? Casmurro ! Mas um dia vai arrepender-se e dar-me razão. Ainda por cima a sua conquista desta vez parece um atrasado mental. O Claudio sim, era bom rapaz e ainda o conseguia meter na linha, este ou muito me engano, ou so quer arranjar problemas. 

    Preparou e comeu o seu pequeno-almoço ao som da mesma música erótica com que acordou, agora mais baixa mas que deixava ouvir gemidos de prazer selvagens. Como ele desejou não ter mandado parar a música... Concentrou os seus pensamentos de olhos focados no seu rapaz e passado dez minutos, já mais calmo, decidiu voltar ao quarto e preparar-se. Hoje não ia ficar em casa.

Sempre te irei protegerOnde histórias criam vida. Descubra agora