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"Mas que merda!".

Eu ensaiei ser o mais educado de todos os homens. Recebi-a de forma cortês, tentando tirar aquela má impressão inicial. Mandei decorarem a sala, comprei pessoalmente todos aqueles livros e coloquei a fotografia lá, para que ela não precisasse parar no corredor para admirá-la.

Mas o instinto mais primitivo me traiu. Ela me flagrou admirando-a, não de uma forma profissional, respeitosa... Eu estava olhando aqueles seios, imaginando o que poderia fazer com eles. Admito! E não me envergonhei, porque o que está feito está feito.

Não dizem que o que é bonito necessariamente merece ser admirado? Eu cumpri com esse papel. Olhei, perdi-me dentro daquele decote, fantasiei cenas indecentes. Fui flagrado, como um garoto. Como um pervertido.

Quis diminuir a distância e provavelmente elevei um pouco mais o muro que parece se erguer entre nós a cada segundo. Essa mulher me faz ser um homem desprezível! Jamais fui tão desrespeitoso! Ou fui?

Rodrigo entrou em minha sala, fazendo-me empurrar aqueles pensamentos para longe. A postura era de quem tinha acabado de perder um processo e tomar a reprimenda de um magistrado. Estava com a indignação saindo pelos poros do corpo.

— Satisfeito, Leo? Seu novo objeto de desejo está na área.

— Não fale assim. Ela não é um objeto. É uma mulher.

— Opa! Calminha, amigo. Não sabia que a coisa já era séria desse jeito! – Rodrigo ria, querendo apaziguar meu ânimo. Não funcionou, irmão. – Pensei que fosse mais um brinquedinho... – O sarcasmo fez o último comentário soar metálico em meus ouvidos. Crispei de raiva.

— Não tem nada sério. Aliás, não tem nada em absoluto. Ela está trabalhando para nós. Não é um objeto, nem um brinquedo, como ninguém é. Você já deveria ter aprendido isso, sendo o homem formado que já é.

Rodrigo engoliu em seco, acho que entendeu o recado.

— Foi você que tirou a fotografia do corredor? – A postura estava alterada. Os ombros baixos, a indignação contida, dando espaço à resignação. Sorri, seco.

— Sim, coloquei na sala dela.

Rodrigo arregalou os olhos, devolvendo o sorriso seco. Passou a mão nos cabelos, como quem tenta segurar um pavio de explosivo. Se eu lesse mentes, diria que ele estava contando até dez.

— Mas Leo... É um original... – A palavra "original" foi priorizada, como se isso mudasse a questão, trazendo-a para um patamar de importância digno de Suprema Corte. Eu não ia tratar esse assunto como um processo importante. Para mim, era coisa julgada. Por mim.

— Eu sei. Em uma sala particular fica mais protegida, concorda? Estava no corredor, acesso fácil... – Divertiu-me provocá-lo. Ele cerrou os punhos e, por um breve segundo, achei que iríamos às vias de fato. Rodrigo não tentaria isso. A derrota seria certa para ele.

— Ficaria melhor na minha sala, então. – Falou entre os dentes, eu sorri. Daria meu golpe de misericórdia em seguida.

— Sua sala tem o Volpi. Caso encerrado? – Elevei o tom, deixando claro que não toleraria discussão sobre isso. O sócio deu de ombros. – Podemos falar de trabalho agora?

Coimbra sentou-se, abrindo a pasta que trazia embaixo do braço, começando a falar sobre um processo envolvendo lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Eu concordava com a cabeça, apenas permitindo que ele continuasse a falar.

Meu pensamento ainda estava naquele decote, naquela fragrância de lavanda, que parecia ter tomado conta daquela sala, e naqueles olhos me crivando de faíscas de raiva.

Metamorfoses (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora