Do começo ao fim

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Segue a reta.
Era o que eu dizia no começo.
No começo era apenas eu.
Sobrevivia por aí, vagabundeando sem saber o que fazer.
Sim, está certo.
Sobrevivia.
Não sabia viver.
Não sabia qual era meu propósito.
Aí eu conheci a Carol.
Linda menina a Carol.
Alegre e feliz a menina Carol.
Eu me apaixonei pela menina Carol.
Mas algo eu não sabia sobre a menina Carol.
A menina Carol era a menina do João.
Bem alto e forte era o João.
Machista e cruel era o João.
Preconceituoso era o João.
Desempregado e cachaceiro era o João.
João era um babaca. Um perdedor.
Mas eu tenho a Carol, otário, e o que que você tem?
Nada.
Esquece, tô vazando.
Segue a reta.
Ainda sem propósito.
Até que surgiu a Ariadna.
Linda e bela era a Ariadna.
Vivia bem vestida a Ariadna.
Sabia de tudo sobre a Victoria Secret.
Tentei algo com a Ariadna.
Ela me pediu um colar de pedras polidas, bem caro.
Não tinha dinheiro, mas prometi fazer o meu melhor para comprar.
Dezessete currículos impressos.
Distribui todos em lojas e empresas.
Vendi o violão, o celular e uma TV de tubo.
Fiquei com um velho celular, bem simples, só dava pra ligar, SMS e música.
Pelo menos tinha música.
Estava tocando Ricky Martin.
Livin' la vida loca.
Ah, eu queria.
Mas eu só sobrevivia.
E buscava meu propósito.
E um colar de pedras polidas.
Tinha o dinheiro.
Agora tinha o colar.
Só faltava ter a Ariadna.
Fui até a casa dela.
Bairro boêmio, mas com muito garbo.
Na frente da bela casa, um carro importado.
Encostado nele, dois jovens se beijando. Ariadna e outro cara.
O Sandro.
Quem é esse carinha aí, gata?
Ninguém importante.
Concordei e fui embora, sem pronunciar palavra.
Sem a garota.
Sem o emprego - ninguém me chamou pra alguma entrevista.
Sem violão, celular e TV.
Só um colar e um celular velho.
Não devolvi o colar.
Seria desolador para mim.
O celular tocava Marcelo D2.
E nem venha me dizer que a coisa aqui está preta.
Mas tá tenso, Marcelo.
Segue a reta.
Procurando algo ou alguém.
Deus, tá me ouvindo?
Manda um sinal de que tá zelando por mim.
O celular toca.
Uma entrevista de emprego.
Vamos.
O trabalho é simples.
Atenda as ligações e oriente os clientes.
Vai dar certo.
Pelo menos eu pensei que fosse.
Ninguém me avisou que era o setor de ouvidoria.
Droga.
De cada dez ligações, duas eram de pessoas que não se exaltavam.
As outras oito acabavam descontando em mim.
Não é possível que vocês sejam tão incompetentes! VOCÊ É UM GRANDE INÚTIL!
Obrigado pela sua reclamação, senhor, tenha um bom dia.
Obrigado por me dizer o óbvio, inclusive.
Lá vem o salário.
Descontos, lógico. Bendito seja o país que vivemos.
Bendita seja a minha busca.
Pois com toda a certeza ouvir pessoas irritadas não é o meu destino.
Tenho que ir até o outro lado da avenida para pegar o ônibus lotado.
Situação complicada, e ainda tem gente que zomba.
Quer conforto? Vai de táxi!
Que triste.
Desço do coletivo.
Por coincidência, muitos outros descem e até fica um pouco mais agradável viajar no ônibus.
Mas eu já desembarquei.
Droga.
Começo a atravessar a passarela.
Paro na metade.
Avisto uma garota.
Ela está se apoiando nas grades, a expressão corporal indica o óbvio.
Ela quer se jogar.
Hey, não faz isso.
Incrível como você não quer a solução mais rápida pra outras pessoas, mas apenas para si.
Não, sai, você não entende o que é sofrer sem saber o que você veio ao mundo para fazer.
Parecia piada.
Ela senta com as costas apoiadas na grade, esconde o rosto nos joelhos e chora.
Sento ali junto com ela, a abraço.
Algumas poucas pessoas passam por ali, todos olham, ninguém ajuda.
Pergunto o nome dela.
Jennifer.
Perguntei a ela se ela era o meu objetivo.
Ela me perguntou se eu era o propósito dela.
A resposta foi instantânea.
Não.
Um não meu e um não dela.
Então o que a gente faz enquanto não encontra a nossa paz, Jennifer?
A gente segue a reta.

Arte do capítulo:
Foto de Daniel Alves
Modelo: Daniel Alves

As anotações de um garoto sonhadorOnde histórias criam vida. Descubra agora