Destino travesso

Despertador

No dia seguinte à entrega do poema, nada saiu como o planejado. Pra variar, o despertador não tocou (ou eu não acordei quando ele tocou). Levantei correndo, estava tão atrapalhada que vesti o uniforme pelo avesso e esqueci de calçar as meias antes dos tênis. Fiz um rabo de cavalo apressado e tenho certeza que o emaranhado de cachos não estava mais atraente que o ninho de um rato!

Apesar de ter saído correndo (literalmente), não fui rápida o suficiente para não chegar atrasada (muito atrasada) para a primeira aula.
Fui mandada para a sala do diretor Bernardo.
O coordenador bateu na porta. Ouvimos um "entre" abafado e ele abriu a porta e entrei logo atrás dele.

- Diretor, essa aluna chegou com trinta minutos de atraso.- ele deu ênfase a palavra aluna, que se referia a mim.

- Ok, pode deixar que eu assumo daqui.- o diretor falou sério. Ele é alto, não é magro e nem gordo. Parece fazer exercícios todos os dias. É jovem, eu daria uns 25 anos de acordo com a aparência dele. Ele não é casado. Pelo menos não usa aliança em nenhuma das mãos. É simpático, e vai com a minha cara. Além disso ele tem os olhos azuis mais lindos que já vi na vida.

O coordenador deu um sorriso vitorioso e saiu.

Quando ele fechou a porta o diretor perguntou:

- Linda, querida, o que houve?

Ao contrário do que acho que seja o desejo do coordenador (porque ele me odeia), o diretor não vai me expulsar da escola por um atraso.
Fiquei nervosa e fui logo dando explicações.

- O despertador não tocou. Sei que pare-

Ele me interrompe.

- Acredito em você. Essa semana mesmo, meu despertador não tocou. Sorte que eu tenho costume de acordar cedo todos os dias.

Fiquei olhando para ele, que estava tentando justificar meu erro.

- É que parece uma desculpa tão esfarrapada que é difícil de acreditar.

- Acredite, eu sei quando você está mentindo. Agora vá arrumar seu uniforme e vá para a segunda aula.

E foi nessa hora que percebi que tinha vestido o uniforme pelo avesso. Tenho certeza que minhas bochechas ficaram vermelhas porque fiquei morrendo de vergonha.

- Obrigada.- disse.

- Por nada.- ele diz e abre um sorriso caloroso.

Saio de sua sala e vasculho todo o território visível para saber se o coordenador está por perto. Não está.

Vou ao banheiro e tiro o uniforme e visto novamente, dessa vez do jeito certo. Ouço o sinal para a segunda aula tocar. Vou para a sala do professor de geografia e alguns poucos alunos já chegaram a sala. Sento no meu lugar de costume (ao lado de Jasmine e na frente do professor).
Ela me olha sorrindo quando sento ao seu lado.

- Está atrasada.

Faço uma careta. Claro que ela ia me sacanear só porque cheguei atrasada uma vez desde que as aulas começaram.

- Perdi muita coisa?

- Não, só uma atividade de inglês. No intervalo você copia.

- Ok. Obrigada.- falo aliviada por não ter perdido uma explicação enorme.

- Por nada.- ela sorri.

O professor começa a aula quando todos os alunos entram na sala.
Quando estamos copiando a atividade Jasmine comenta:

- Ele parece chateado hoje.

Nem preciso perguntar quem, porque ela só comenta alguma coisa para mim se for sobre ele. Erick.

- Será que é por que ele leu o poema e não gostou?

- Acho que não. Deve ser algum motivo pessoal. Ou talvez esteja achando que o time vai perder o jogo de amanhã contra a outra escola.

Olho para ela com minha cara na melhor versão: "não tem nem chance".

- Não acho que o time dele vai perder. Eles são os melhores.

Ela me olha debochada.

- Mas dessa vez não é só uma disputa entre as escolas da cidade. Se vencermos a disputa, competiremos com os melhores times do estado!

Ela fala num entusiasmo só dela. Ela adora esportes.

- É, você tem razão. Vamos responder a questão 3?

No intervalo pude observar que ele realmente parecia não chateado, mas distraído.

Fiquei preocupada por isso. Quando estamos distraídos podemos cometer erros.

Depois do intervalo fiquei pensando nas próximas aulas. Fiz as atividades tão depressa que ainda sobraram vários minutos para terminar a aula.

Então resolvi fazer um poema. Um poema simples apenas encorajando a seguir em frente e não ter medo. Por que a vida tem dificuldades mesmo, mas temos que ter força para enfrentá-las sem medo.

Quando o sinal tocou arrumei minhas coisas numa velocidade propositalmente lenta.

- Você vai lá pra casa agora Jasmine?

- Podemos ir na minha casa primeiro? Porque aí pego minhas coisas e já fico o fim de semana na sua casa.

- Tudo bem. Só tenho que avisar minha mãe.

As aulas já terminaram e os alunos estão indo embora. Pego o celular e disco o número da minha mãe.
Ela atende ao terceiro toque.

- Alô.

- Oi mãe! A senhora está em casa?

- Sim, estou em casa filha. A aula já terminou?

- Terminou mãe, só vou passar na casa da Jasmine pra pegar umas coisas e já vamos pra casa.

- Tudo bem querida. Tenham cuidado! Diz a Jasmine que fiz a torta de frango que ela adora. Beijo.

Desligo e falo com Jasmine.

- Preciso que me ajude.

Ela me olha desconfiada.

- Ajudar?

- Sim, fiz outro poema e preciso entregar agora que não tem ninguém olhando.

- Tá. Vamos logo! Porque algum dos professores pode sair de repente da sala dos professores!

Corremos até o armário 47 e passei por lá correndo, só fiz colocar o papel pela brecha do armário e continuamos correndo.

Saímos da escola e fomos para a casa de Jasmine. Chegando lá ela apenas arrumou algumas roupas e colocou numa bolsa e fomos pra minha casa.

...

- Que tal fazermos uma festinha do pijama?

- Isso pode ser legal. - digo já com medo de suas ideias malucas.

- Vamos assistir alguns filmes e comer muita besteira!

- Isso! A parte de comer besteiras é a melhor!

Caímos na gargalhada.

No fim das contas, minha mãe foi reclamar porque estávamos rindo que nem duas hienas e já era mais de onze horas, mas acabou que ela ficou assistindo e comendo besteiras com a gente. Acho que minha mãe tava precisando se divertir um pouco. Ultimamente ela só tem trabalhado e trabalhado. Não sobra tempo nem pra ela mesma. O bom é que ela não ia trabalhar amanhã e não tinha aula também. Por fim, pegamos no sono as três nos colchonetes espalhados pela sala.