QUATRO

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A garota saiu da loja e ergueu o taco para cima de Ezequiel, que se assustou e pulou para trás, caindo no asfalto.

— Ei, calma, calma, calma! — ele gritou, erguendo um dos braços para se proteger e se arrastando ao mesmo tempo.

— Quem é você?! — ela berrou, agarrando o taco com as duas mãos e fazendo movimentos bruscos com o objeto, ameaçando golpeá-lo a qualquer instante. — O que está fazendo aqui?!

Cada vez que ela fazia menção de acertar Ezequiel, ele piscava os olhos e abaixava a cabeça rapidamente. Entretanto, tudo que o atingia era a pressão do vento que a movimentação do taco produzia.

— E-e-eu... ér... — ele gaguejou, tremendo.

— FALA LOGO! — ela esbravejou, segurando o taco com mais força ainda. Parecia furiosa.

— MEU NOME É EZEQUIEL, EU SOU EZEQUIEL! — ele respondeu aos gritos, ainda temendo àquela arma que ela segurava.

A garota parou com seu taco erguido, pronto para dar um golpe agressivo. Contudo, ela não parecia mais brava. Sua expressão mudou em questão de um segundo. Ela ergueu as sobrancelhas, olhou para cima, como se tentasse se lembrar de algo, e deu de ombros. Por fim, abaixou seu taco e colocou a ponta no chão, apoiando-se nele como se fosse uma bengala.

Subitamente, a mão livre da mulher se estendeu na direção de Ezequiel para ajudá-lo a levantar. O rapaz levou um susto com o ato. Ela riu.

— Relaxa, não vou te bater, não — ela disse, calma. Sua voz normal era doce, música para os ouvidos de Ezequiel. Ele se sentia melhor apenas por ouvir a voz de outra pessoa pela primeira vez em 5 anos. — Estava só brincando.

Talvez aquilo não fosse real. Talvez Ezequiel estivesse tendo alucinações agora. Aquela garota na sua frente podia não ser real. Outro truque da sua mente? E se todas aquelas coisas fora do lugar daquele dia fora ela quem as mudou? Ele não sabia no que acreditar.

Ainda tremendo um pouco e agindo de forma hesitante, Ezequiel aceitou a ajuda da estranha. O toque humano, aquele que ele não experimentava há tanto tempo, fez todos os pelos do seu corpo se arrepiarem num instante. Ele sentiu algo familiar e confortante quando olhou outra vez para aquela mulher de cabelos castanhos, com uma franja cobrindo parcialmente sua testa e com uma flor amarela na orelha; sentiu que já a vira de algum lugar. Uma sensação de Déjà Vu o fez estremecer.

— Eu sou Carol — ela se apresentou, sorrindo. Ezequiel notou que alguns de seus dentes debaixo eram meio tortos, mas aquilo não denegria nem um pouco sua beleza.

É da sua mente, não se deixe levar, ponderou ele, confuso. Não podia deixar-se entregar para a loucura, por mais que ela parecesse real, que seu toque fosse algo físico, que sua aparência fosse familiar, que sua beleza fosse espetacular...

Ele tinha que aceitar que não era de verdade, precisava continuar com sanidade, lúcido para o mundo real.

— Você não é real — ele falou, meneando a cabeça com os pensamentos a mil.

Encontrar outra pessoa era o que ele mais queria. Vivia imaginando como seria essa situação: ia abraçar diretamente a pessoa de tanta felicidade, lhe depositaria muitos beijos, contaria como fora sufocante sua vida com esses últimos anos solitários e perguntaria se ele (ou ela) sabia o que teria acontecido para todos terem desaparecido de uma hora para outra. E, agora que ele encontrara um outro alguém, simplesmente não conseguia acreditar. Talvez ele tivesse se acostumado com a ideia de que viveria na soledade para sempre. Aceitar que estava enlouquecendo parecia mais fácil do que aceitar que estava vendo outra pessoa.

Últimos (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora