-Zack! Zack! Zack...

É a minha mãe que me está a acordar. Sinto o cheiro das torradas acabadinhas de fazer, e ouço os gritos dos gémeos lá fora no jardim.

-Estás bem filho? Estás pálido como a cal.- ela sorri-me e eu sorrio de volta. Como é bom estar em casa!

-Tive um pesadelo horrível esta noite...- explico eu.

-Pronto agora já passou- diz ela acariciando-me a bochecha.- Sobre o que era esse tal pesadelo?

A minha mãe faz sempre isto. Reconforta as pessoas e ouve sempre o que têm a dizer mesmo se for apenas um simples pesadelo.

-Começou com um tiroteio em Boston, depois em mais cidades. Imensas pessoas nas ruas com pistolas e a incendiar cada casa que veem. A polícia tenta intervir mas não consegue e por isso chama mais reforços, e o pai tem que ir também, morrendo num dos tiroteios. Houve 30 minutos de paz, até que houve uma explosão, tudo destrói-se. Ouve-se gritos em todo o lado, prédios a cair, e depois nada... tudo fica escuro e acordo numa sala.

Paro por uns momentos. E mal tento falar outra vez, quando a minha mãe grira. Grita. Grita. Os gémeos gritam. O meu pai grita. Toda a cidade grita. Todo o país grita em conjunto. Gritos de dor, frustração. Ouço tiros, tiros e gritos ao mesmo tempo. Gritos. Tiros. Gritos. Tiros. Gritos. Tiros. Gritos. Tiros. Nada. Não se ouve nada. O prédio começa a tremer. Minha mãe cai no chão. Os gémeos caem no chão. O meu pai cai no chão. Toda a cidade cai. Todo o país cai em conjunto. Todas as coisas caem e eu caio com elas. Fecho os olhos. Está a chover. Abro os olhos e quando olho para as minhas mãos, não é água que vejo. É sangue.  Está a chover sangue e o nevoeiro não me deixa ver muita coisa. Procuro a minha família. Tudo está cinzento. Olho em redor e só vejo corpos de pessoas mortas umas em cima das outras. Minha mãe grita e eu corro para ajudá-la. Tropeço nalguma coisa. É um pé. Um pé sem o corpo. Eu tropecei num pé. Tento retirar a imagem da minha cabeça mas não consigo. Minha mãe para de gritar e eu observo-a a morrer. Eu quero gritar, quero-a salvar, quero correr mas não consigo. Ela morre, lentamente. E eu, a menos de um metro de distâcia, a ver. A ver... A ver...

Acordo exaltado. Sophia está a brincar com um elástico que tinha no pulso. Tem um ar triste. Deve estar preocupada com a irmã...

Estou com fome. Já não como há exatamente 2 dias. Será que nos vão dar comida? Tento afastar o pensamento de comida. E concentro-me em Sophia.

A sua perna está coberta por uma mancha de sangue seco e num tecido que otrora fora branco.

Será que posso confiar nela? Acho que sim... Mas quase não a conheço... Será que ela pensa assim de mim? Que segredos é que ela tem? Como se chamavam os seus pais? Como ficou cheia de facadas nos braços? Tanta coisa, e o único pensamento que enche a minha cabeça por completo são torradas. Torradas? Torradas! Deve ter sido do pesadelo... Estou mesmo cheio de fome. Sento-me para afastar mais uma vez o pensamento.

-Bom dia!- diz Sophia sorrindo-me.

-Bom dia...

-Como estás?

-Bem... E tu?

Faz uma careta como se estivesse a evitar responder-me... e olha para o chão

-Estou preocupada com Emily e cheia de dores na perna... e cheia de fome.- sorri e olha para mim- Achas que nos vão dar comida ou vão nos matar à fome?

Rio-me. Ela ri-se também.

-Apetece-me torradas!- diz ela- Deves achar que sou mesmo parva por dizer isto.

A cara dela está a corar.

-Claro que não! Quem é que não gosta de torradas!

Ela ri-se. A minha curiosidade é demasiado forte e peço-lhe:

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