Saber esperar. Saber esperar ensinou-me a ser menos infeliz naquele sítio. Joe e eu preparámos imensos exercícios para toda a gente executar treinámos todas as pessoas como se fosse para um exército. Demorou mais tempo do que esperava, e eu já esperava que levasse muitos meses. As pessoas que não resistiam aos nossos treinos ou que quebrassem alguma regra (sim, agora haviam regras, e muitas) eram postas a fazer serviços na cozinha ou nas limpezas. Começámos a retomar mais ou menos uma vida comunitária saudável. Depressa começaram a distribuir profissões como bombeiros, médicos, cozinheiros, policias e educadoras. Por agora era tudo o que precisávamos. Os quartos estavam muito mais cómodos, a qualidade da comida melhorou imenso (dado ao facto de que já não eram soldados que estavam habituados a comer de latas fora do prazo a cozinhar para nós, mas sim avós e mães que não tinham mais nada para fazer), as crianças iam a uma suposta “escola” (que era uma cave) e dividiam-se mais ou menos como antigamente, mas em vez de sete horas por dia, era uma hora. Às oito da manhã vinham os alunos do primeiro ano, às nove os do segundo, às dez os do terceiro, e assim sucessivamente (caso de dúvida as crianças de seis eram do primeiro ano e quando fizessem dezassete, parariam de estudar).

Eu tenho quase dezoito anos, por isso não vou às aulas.

Amanda já não fala comigo, e Sophia anda muito agarradinha a Joe, o que me deixa doido de ciúmes! Eu faço parte da direção, desde daquela conversa que tive com Joe, que ele quase me confia tudo, e a parte melhor é (para alem de ter acesso a quase toda a informação) é de poder ver Sophia todos os dias, o que não aconteceria se eu não estivesse lá.

Os meus vício ainda não desapareceram, acho que criei uma irritante dependência a heroína e ao tabaco e ao álcool. Quero me livrar disto, mas simplesmente não consigo. O lado positivo é que agora, com muito mais regras e policias à solta, é muito mais difícil arranjar o que quero, mas de uma maneira ou de outra, consigo sempre arranjar. O único que sabe o que eu faço é James, ele apoia-me em tudo o que faço e dá sempre uma opinião honesta e eu sei que ele se sente desapontado comigo por causa deste assunto, mas ele não me critica porque faz a mesma coisa.

Estou no pátio das traseiras, por aqui, há imensos pátios deve haver pelo menos uns 23, mas este é o mais escondido de todos. Quase nunca ninguém cá vai, para ser sincero, acho que sou só eu e James que vamos para aqui, e se vamos, é para nos drogarmos, bebermos ou fumarmos. Levo o cigarro à boca, e fecho os olhos, fico assim por um bocado até que ouço uma voz:

-Que é que estás a fazer - é Sophia. Ela olha para mim com um olhar frio e gelado.

Penso um pouco na resposta que lhe vou dar. Estou nervoso e tenho uma branca, a única coisa que me lembro de dizer em minha defesa é:

-Não é o que tu pensas...

-Então expica-me.- ela fala com determinação. Tenho mesmo que lhe dizer alguma coisa mas permaneço calado.

-É melhor dizeres alguma coisa, ou vou ter que chamar o Joe. - Sei que aquilo é uma ameaça, mas a voz dela continua calma e fria.

Desesperado para ouvir alguma emoção, ataco:

-Pois, vocês agora anda muito juntinhos... Bela escolha Sophia, o assassino da tua irmã, podias fazer muito melhor.

-Já fiz pior. - riposta ela, sei que ela se refere a mim, mas o tom continua frio.

-Estás a falar de mim? - pergunto eu um bocadinho mais agressivo do que era suposto.

-Não sei. - responde ela calma e muito mais fria do que estava.- Pergunta ao drogado, fumador e alcoólico que estão dentro de ti, talvez eles te dêem alguma resposta.

Não tenho qualquer tipo de resposta... Nunca fui bom com elas...

-Então?... – diz ela – Vais ficar aí especado ou vais dar-me algumas explicações?

-Não te devo nenhuma explicação.

-Mas deves ao Joe. É a tua escolha contares-me a mim ou a ele.

-Escolho nenhum.

-Foi ela que te pôs assim não foi? – sei que ela se refere a Amanda.

-Não... Não foi ela. Foste tu.

-Eu? – a voz dela começa a ganhar emoção.

-Sim tu.

-Oh meu deus! Como é que podes pensar numa coisa dessas? – ela está a ficar irritada. Não consigo evitar sorrir. Ouvir finalmente algum sentimento naquela voz dá-me alegria. Ela ainda se preocupa o suficiente comigo para sentir alguma coisa quando fala.

-Porque é que te estás a rir? Isto é grave, tens que fazer alguma coisa em relação a isso! Essas porcarias fazem-te mal!

-Pensas que eu não sei? Pensas que eu não tenho cabeça suficiente para cuidar de mim mesmo.

-Olha não sei, drogas, álcool, tabaco, tens tanta cabeça como um leão com fome!

-Não tens nada haver com a minha vida!

Ela fica em silêncio por uns momentos, acho que não arranjou resposta.

-Porque é que te preocupas tanto? – pergunto eu. – Já não somos propriamente amigos. Eu fiz-te coisas de que nunca me perdoarei, a Amanda deu-me apenas os meios para eu me esquecer por uns momentos da pessoa em que eu me tornei.

-Mas nesses momentos, essa pessoa que tu esqueces torna-se nada, e como não podes ser mais ninguém, tu também ficas simplesmente... nada.

-Acho que prefiro ser nada.

-Não prefiras, o nada não existe e eu não quero que desapareças... Cuida-te está bem? Mas da próxima vez vou ter mesmo que fazer alguma coisa! – ela vai-se embora e eu fico sozinho.

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