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Nasci numa sexta feira.
Numa sexta feira chuvosa, nebulosa e de lua cheia.
Nuvens grossas, espesas, escuras caíram sobre a casa.
Uma tempestade jamais vista no Rio de Janeiro desabou pela cidade. Águas descendo morros, provocando vários alagamentos e invasões de casas. Carros boiando, móveis boiando, bens boiando. Gente morrendo.
Nasci no dia 13 de março de 1998.
Uma sexta feira 13, pra ser mais exata.
Sinto que, ao invés de trazer luz e felicidade para a minha família, eu, trouxe mesmo foram trevas.
Escuridão.
Tristeza.
Dor.
Não me pergunte como sei disso tudo, eu sei e pronto. Ninguém me contou. E nem precisava. Eu sempre soube.

As imagens do dia do meu nascimento me invadem em sonhos e me fazem despertar quase todas as noites

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As imagens do dia do meu nascimento me invadem em sonhos e me fazem despertar quase todas as noites. Me enchem de medo, mas, ao mesmo tempo, de uma alegria tremenda. Não existe mais noite de sono em que eu realmente consiga dormir em paz, desde que nasci. No mês que vêm, vai fazer 20 anos em que isso aconteceu.
20 anos;
Que o meu pai morreu.
Um pai que nunca pôde me pegar no colo, me fazer carinho, me dar afago. Sentir meu cheiro, sorrir comigo, me ver crescer. Meu pai só me vêm em sonho. E, assim como a noite de tempestades, ele vêm e me sorri. Me observa e fala coisas que eu não consigo ouvir. Parece que, no instante em que ele fala, meus ouvidos estão lacrados. Sei que ele quer me dizer alguma coisa. Estou blindada ao que ele quer me dizer.
Depois disso, acordo desesperada, eu tento ler seus lábios, adivinhar a sua fala, e nada. O que me resta é o silêncio e a angústia no seu olhar, ao perceber que não o escuto.
eu não o escuto...
não consigo,
não.

Meu pai morreu em um acidente de moto. Voltava pra casa de seu trabalho, ansioso para ver a tão sonhada filha. Com o tempo chuvoso e as ruas escorregadias, acabou perdendo o controle de sua direção e bateu em uma árvore.
apressado pelo o afago, o cheiro, o toque;
Que ele nunca pôde me dar.

O pior é que eu sei que a culpa foi minha.
Se eu não tivesse nascido, meu pai não precisaria voltar com pressa pra casa em um dia chuvoso e, não teria se deparado com uma árvore no meio do caminho.

Talvez, por conta disso, eu sempre me senti meio turista nesse mundo, meio alienígena, em tudo o que eu faço. Eu me sinto estranha, diferente. Acho que, ao menos uma coisa que minha mãe fez por mim foi o certo: colocar meu nome de Thana.
O significado do meu nome, na verdade, nunca me assustou. É assim que eu me sinto, morta.
Não é atoa que no ensino fundamental me chamavam de A estranha, de, Carry A estranha.
Pelo o menos acho que Chloe não me acha assim. Ou, seja tão estranha quanto eu. Sei lá. A verdade é que já deixei de tentar me entender, de saber o porquê da minha mãe ser tão grossa comigo e, tão perto e tão distante ao mesmo tempo.
Houve um tempo em que eu cheguei a acreditar que minha mãe não me amava, porque eu matei o meu pai. Hoje já não penso assim. Mas também não sei o que pensar.
Agora, o vento Uiva lá fora, faz frio. Muito frio. Por isso, prefiro ficar aqui, presa no quarto, apesar de, há pouco, ter recebido uma ligação da Chloe me convidando para uma noite na casa dela ou de algum amigo. Segundo ela, vão Max, Bete e o Henrique.

- E o Ben? - eu perguntei.
- O Ben disse que não pode.
- Ah - suspirei.
- Você vem?
- Ah, não sei. Talvez.

Não fui.
Eles devem estar lá, rindo e jogando algum jogo ou bebendo, apesar da Chloe não gostar tanto de bebidas assim.
Eu estou aqui, na cama. Eu, o Bob e Jeffrey Algusto. Gosto dos poemas dele. Às vezes, acho que ele se sentia como eu me sinto: Uma estrangeira num mundo que não me entende.
Mas, mês que vêm, isso muda.
Mês que vêm eu faço 20 anos.
Talvez um dia em que minha mãe finja ser uma ótima pessoa e me preparar um bolo, ou até mesmo, uma festa. Talvez ela me abrace, ah, o abraço da minha mãe! Perdi as contas de quanto tempo não o sinto. Minha mãe é fria, convencional. Mais pergunta sobre a minha vida do que fala da sua. Misteriosa sempre. Talvez eu tenha sido somente um acidente em sua vida, alguém não desejado, que, de repente, apareceu em seus planos.
O que eu mas gosto na aparência da minha mãe são os cabelos longos e lisos. Escuros e caídos como um véu. Os meus também são escuros, como o dela. Porém crespo, como o do meu pai.
Me mexo na cama, Bob, que estava nos meus pés, acorda e fica me olhando. Às vezes, acho que ele não é apenas o cachorro que ganhei da minha tia Letícia a uns 2 anos atrás. É mais. Não sei bem, mais é mais.
Bom, essa sou eu: Thana, uma menina/mulher que vai fazer 20 anos, órfã de pai. Órfã de mãe viva. A estranha do colégio, a "do contra". Aquela que tem uma queda pelo o Ben, e que só tem uma única amiga. Uma verdadeira, pelo o menos. Amanhã, se não chover, acho que vou convidar a Chloe pra vir aqui, ou, vou até a casa dela. Apesar da mãe dela, uma mulherzinha metida a besta e não gostar de mim. Não consigo entender o que aquela mulher tem na mente. Ela me acha insuportável, pelo o simples fato de que eu fui criada pela a minha "mãe" e a minha tia.
Ela pensa que para que uma família seja completamente estruturada, precisa ter um modelo masculino para estabelecer as regras. Não que eu não queira ter o meu pai por perto. Muito pelo o contrário, daria minha própria vida para tê-lo comigo se fosse possível. Mas, parece que a mãe da Bete não entende isso, o que me faz gostar menos dela. Apesar da condição financeira dela, talvez isso a faça pensar que, só por que tem mais dinheiro que a minha família seja melhor do que a gente, ou não. Eu realmente não sei o que pensar sobre ela, ô mulherzinha insuportável.
Chloe não tem culpa de ter uma mãe tão hipócrita, eu gosto muito da minha amiga, graça ao que sei lá ela acredita, que não seguiu o exemplo mesquinha da mãe dela.

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