Parte I - Melancolia

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19 de março de 2027

Hoje é meu aniversário de 38 anos. Estou no laboratório com as mesmas pessoas de sempre: Cisco, Caitlin, Wells e Iris. E, novamente, me fizeram uma festa surpresa. Que, de novo, foi interrompida por algum acontecimento maior que me forçou a correr para impedir que o mau ganhasse o dia. E cá estou eu novamente, assim, no mesmo parágrafo, de volta a minha festa surpresa - que eu já sabia que iria acontecer.

É assim que minha vida tem se passado: o que deveria estar escrito em um livro, está armazenado em uma única página; e, às vezes, em um mísero parágrafo. Cansei de contar, literalmente, as batidas de asas de beija-flores – apenas para o tempo passar mais rápido, nem que fosse um segundo sequer. Porque, para mim, segundos eram horas. Horas eram dias. Dias eram meses. Meses eram anos. Anos eram décadas. E essa última década com esses poderes, foi um verdadeiro século. Quantos séculos eu teria que viver?

Salvar pessoas passou de dever para obrigação. Eu não tinha mais escolha: todos contavam comigo, eu era o único dotado de poder extraordinário e consciência benigna naquela cidade. Os outros eram apenas suporte, que me auxiliavam naquilo que se tornou meu fardo. Eu vivia para aquilo e não tinha direito a férias nem mesmo reconhecimento dos queridos cidadãos, que agora, depois de tanto tempo de minha serventia à cidade, me viam como prestador de serviços integral.

Tudo se resumia em salvar uma mulher na ponte, ela dizer um "obrigado" por educação e Cisco dizer no ponto qual minha próxima parada. Nem ao menos ameaças reais eu combatia mais. Nada de organizações criminais, alienígenas, pensadores, cientistas enlouquecidos, vilões de outras dimensões... nada. Tudo se resumia em assaltos, tentativas de homicídio, roubo a bancos. Eu estava fazendo o trabalho que a polícia não queria fazer, por estar acomodada demais com minha eficiência – que eu estava profundamente arrependido de ter me deixado mostrar.

E não adiantava tentar reverter a situação com minha equipe, pois sempre que eu tentava tocar no assunto, eu era o errado. Eu estava distorcendo a realidade, vendo com um ponto de vista errôneo ou, pior ainda: "Barry, outro flashpoint?!". Então tudo que eu fazia era desempenhar o papel que eu tinha recebido: correr – salvar – correr de volta – esperar acontecer de novo.

Aliás, minha equipe, já não era essa há muito tempo. Já havia adotado outra há cerca de dois anos, quando a minha passou a não se comunicar comigo e apenas a fazer tudo a encargo de consciência: salvar a cidade de todo o mau que pudesse estar a ameaçando ou que viesse a ser uma possibilidade. Como um adolescente que estava furtando uma loja de roupas no mês passado. Eu havia virado uma piada e eles nem sequer se deram conta disso, porque, simplesmente, não conseguiam lidar com a ideia de que o mundo não é de todo bom, nem de todo mau. E tem de haver um equilíbrio nisso. O garoto furtou uma camisa porque era uma aposta entre os amigos e o Flash tinha que ir até ele para dar uma lição de moral? Não, eu apenas corri, peguei a camisa de sua mão, a coloquei de volta no cabide e corri de volta para o laboratório, onde ninguém sequer me olhou, meramente continuaram olhando para seus computadores, a procura de mais um malfeitor para o Flash impedir seus atos impiedosos.

Eu havia me tornado uma marionete, um boneco moldado sem sentimentos. Cisco construía roupas cada vez mais tecnológicas para seu Ken favorito, a Barbie tinha a casa perfeita, Wells fazia experimentos com seu ratinho de laboratório quando bem entendesse e até mesmo a Caitlin havia virado sua assistente fiel. Gostaria de lembrar a última vez que uma opinião minha foi válida nesta equipe. Pelo menos um salário eu recebia. Não era escravidão, mas era quase. Já que no meio da noite eu era acordado pela mulher que um dia já fui apaixonado, para salvar alguém.

The Ballad Of Barry AllenOnde histórias criam vida. Descubra agora