Parte II - Pulsão

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24 de dezembro de 2019


Enquanto corríamos para o meu apartamento, vi pisca-piscas enfeitando terraços e plantas, árvores de natal dentro das salas de estar e famílias chegando nas casas com comidas em mãos e desejando um Feliz Natal. Meu outro eu não parecia estar muito preocupado com esta data, já que não mencionou sequer uma vez uma possível desistência.

Quando entramos no apartamento, a sala estava decorada apenas com uma árvore de natal com algumas bolas vermelhas e azuis e um pisca-pisca branco. Lembro que usamos essa mesma decoração durante anos. Só não me recordo porquê. Talvez não desse tempo de comprar novos enfeites de Natal com tanto criminoso por aí.

Ao olhar em volta, reparo também que as fotos do nosso casamento ainda estavam espalhadas pelos cômodos da casa, inclusive o corredor. Fotos de Joe, do Team Flash, dos meus pais, e até de mim como Flash. Eram tantas, mais de 40 fotos espalhadas pela casa em molduras alegres... E, entrando no meu quarto, me deparo com uma foto que a cerca de nove anos não vejo: Eu e Iris na varanda do apartamento, no dia em que nos mudamos. Nesse dia eu sei que estava feliz e sinto falta de ter essa sensação tomando conta de mim novamente...

- Essas fotos te trazem muitas lembranças? – comentou, logo atrás de mim, me tirando dos pensamentos, enquanto eu segurava minha foto e de Iris.

- Lembranças... são poucas as que tenho antes de tudo se tornar um grande painel cinza, do qual eu não consigo acrescentar cores ou rasgar para descobrir se há algo fora dele. Minha memória se foca em vestir tudo que é ruim e pesado, e eu tomo como um fardo minha própria existência. – eu não mais olhava a foto, mas através dela, mergulhado num mar de recordações desagradáveis.

- Quer me contar o que houve? – senti certa impaciência em seu tom de voz. – Vamos lá pra sala. – e em seguida, sem esperar minha resposta, se dirigiu com pressa para a sala de estar. O segui, sem muito ânimo ou escolha.

- Você não tinha que estar na casa do Joe? – revirei rapidamente os olhos. Minha própria casa e sempre tive que passar datas comemorativas lá, por causa da Iris.

- Nunca vi problema nisso. – arqueou uma sobrancelha.

- Você tem sua própria casa. Qual o problema de passar um Natal, pelo menos, aqui? Não é menos digno.

- Ninguém nunca disse que não era. – continuou com ar de desconfiado.

- Não com essas palavras. Mas ela vai te dizer que "não é a mesma coisa", "a casa do meu pai é o melhor lugar" "nossa casa ainda não é nada sem filhos".

- Não é nada sem filhos?! – se alterou. – Ela quem não quer ter filhos agora.

- Ela não te ama mais, Barry. Talvez seja por isso que a gente nunca teve filhos...

- Eu não... – perdeu a voz. – Eu não tive filhos?

- Não. Como se tem filhos sem transar? – ri debochado.

- O que eu fiz?! – passou a mãos pelos cabelos, beirando o desespero.

- Pois é, deixei de me fazer essa pergunta. Eu não sou o culpado de tudo nessa vida, Barry. Eu não pedi pra um raio me atingir, eu não pedi pra tudo que aconteceu comigo ter sido planejado por outra pessoa. Eu nunca tive o controle da minha vida, até quando achei que finalmente estava tendo! – o olhei nos olhos. – Ou você acha que tem livre arbítrio no Team Flash? Experimenta dizer "hoje não", "estou cansado", "preciso de férias", "isso é trabalho da polícia". Tudo virou sua obrigação, tudo. Não reparou ainda que a cidade te vê como um prestador de serviços 24h? Você não dorme, não tem vida social, não escolhe, não é prioridade nem da Iris. Você é propriedade.

- Não, não, não, não... Não! – gritou, por último, levantando-se. – Você enlouqueceu? Está vendo tudo distorcido, é isso...

- Não, Barry... você que está. Eu não aguento mais receber ordens! De ninguém! – gritei, também me levantando. – Não aguento mais ter que fazer o trabalho de todos, enquanto ninguém dá a mínima pro idiota aqui! Ter que aguentar viver em câmera lenta 98% do meu dia porque ninguém tem a porra da minha velocidade? Me diz, Barry, você gosta disso?!

- Não, mas...

- Mas o quê?! Quantas vezes você não correu e correu e correu, só pra ver se o tempo passava nem que fosse um segundo mais rápido? É deplorável como eu tento viver conforme as outras pessoas e tudo que eu consigo é me decompor mais.

- Quer saber? – em milésimos, estava na porta de entrada. – Volte pro futuro, por favor. – me olhou cansado.

- Eu vou. Já não tenho nada pra fazer aqui. Você ainda é irredutível. – antes que eu pudesse sair, para atingir a velocidade ideal para voltar para o futuro, ele segura meu braço.

- Só um conselho: antes de você fazer qualquer coisa, volte e veja quem era a verdadeira Iris, o verdadeiro Joe, Cisco, Wells, Caitlin... eles não são esses vilões que você acha que são.

Ele respirou fundo e me soltou. Corri e em poucos segundos um portal havia se formado, me permitindo voltar para o ano de 2027. Parei na porta de entrada do STAR Lab e percebi Iris correndo para me alcançar. Olhei no monitor de segurança próximo a um dos elevadores e a data e hora marcavam 19 de março de 2027, 19:32:27. Haviam se passado exatos três segundos desde que eu havia voltado de 2019.

The Ballad Of Barry AllenOnde histórias criam vida. Descubra agora