Não era nenhuma quebra na rotina. Gabriel sempre ficava comigo um dia antes da véspera de Natal, e o motivo era bem óbvio: Como passávamos essa data na casa dos meus pais, meu irmão simplesmente não conseguia ajudá-los tendo de olhar a cada cinco minutos o que o filho estava fazendo.
Bagunça não era o problema real, e sim sua vontade de ajudar. Da última vez que vi, no ano anterior, ele estava enrolado em um comprido pisca-pisca. Quando perguntei o que havia acontecido, Gabriel me respondeu que iria enfeitar a casa. Obviamente ele fez isso, mas não sozinho.
Minha pequena árvore de Natal – e a única que cabia em meu apartamento – já estava montada há algum tempo, apenas com luzinhas envolta dela, mas comprei alguns enfeites para distraí-lo naquele dia, deixando-o fazer o que gostava.
E funcionou. Mal ele pisou ali e já começou a enfeitar árvore comigo, apesar de eu demorar mais tempo que o necessário para colocar um enfeite no galho, para deixá-lo pegar os de sua preferência.
Embora naquele dia específico sempre fosse comum vê-lo no meu apartamento, também não era nada estranho encontrá-lo ali em vários outros dias do ano. Quase sempre, uma vez por semana. A mãe de Gabriel o largou com meu irmão e se tornou distante ao ponto de nem sabermos mais onde ela está, e, quando Lucas não consegue de conta de casa, faculdade e filho, me pede ajuda.
Na maioria das vezes eu ficava com o menino sem problema algum – minha capacidade de organização sempre foi melhor, então não era muito surpreendente que eu conseguisse isso –, mas, quando eu precisava estudar para provas da faculdade de Direito, ele recorria aos nossos pais, embora morassem um pouco mais longe. Era o jeito, por mais que eu adorasse ficar com ele.
– Tia, por que os adultos não acreditam em Papai Noel?
Porque a lógica nos joga na cara a todo custo que renas voadoras não existem, e que o Pólo Norte é praticamente inabitável. Claro, eu não iria dizer isso a ele, embora fosse verdade.
– Quem disse que não acreditamos? – desci o pinheirinho e o entreguei a estrela.
– A mãe do Henrique. – a colocou no topo da árvore. – Ela contou para na gente que Papai Noel não existe, e que na verdade é sempre um parente retardado que finge ser ele.
Mulher idiota. Que ela destruísse apenas a infância do próprio filho, e não a do meu sobrinho também.
– Eu acho que ela está errada. – deu de ombros.
Graças a Deus!
– Claro que está. – respondi no automático, devolvendo a árvore à mesinha de canto.
Gabriel me encarou, com seu costumeiro ar de geniozinho, passando os dedos pelo queixo, como se duvidasse das minhas palavras. Pronto, aquele era exatamente o fim. O momento em que ele deixaria de acreditar no bom velhinho que entra nas casas pelas chaminés para deixar presentes, por minha culpa. Parabéns, Camila!
– Você também não acredita nele. – constatou mais do que acusou. – Eu não entendo vocês! É por isso que adultos não ganham mais presentes deles. Porque deixam de acreditar. – reclamou, usando a típica frase de filmes natalinos.
Na verdade, ia muito além disso. Simplesmente deixávamos de pedir presentes a ele porque nossos pais se cansavam de comprar seus próprios presentes, mais os que pedíamos ao Papai Noel. Mas Gabriel ainda era pequeno. Não precisava acabar com sua crença agora.
– O Papai Noel é legal. – continuou tentando me convencer. – Não aqueles moços fantasiados do Shopping. O verdadeiro! – arregalei os olhos. Que diabos Lucas andava falando para o menino? – Ele trabalha o ano todo com duendes, e consegue passar uma noite inteirinha – abriu bem os bracinhos – entregando presentes pra todas as crianças boazinhas, com as suas nove renas mágicas.
– O Papai Noel não é para os adultos. – disse cautelosamente. – Mas não significa que eu não acredite. Eu já tive a sua idade e ganhei muitos presentes dele.
Não era verdade. Depois que Lucas e eu paramos de pedir presentes a ele, descobrimos que na verdade era nosso avô quem colocava os presentes na janela em um momento de distração.
Ele me encarou pensativo, e logo saiu da sala. Tudo dando absolutamente errado. Incrível como tive capacidade de fazer uma criança desacreditar do Papai Noel um dia antes da véspera de Natal. Era um feito quase impossível, que eu não me orgulhava nem um pouco de torná-lo possível.
Me levantei do chão com um longo suspiro e resolvi preparar a torta de nozes para o dia seguinte, com o gosto amargo da desordem na boca.
*
Assim que a coloquei no forno – o que demorou bastante para acontecer, pois não estava me entendendo com aquela receita –, Gabriel apareceu na cozinha, me esticando um envelope feito desproporcionalmente com uma folha pautada de caderno.
– Coloca no correio, por favor? – pediu. – É uma cartinha pro Papai Noel.
Embora ele já tivesse feito sua cartinha, não falei nada, na tentativa de não estragar ainda mais as coisas. Bem, eu não podia abri-la ali na frente dele, mesmo querendo descobrir qual era o novo presente escolhido, e Gabriel quis ir comigo até a caixa de correio do prédio. Eu simplesmente a deixei ali, para que a situação não piorasse. Ele não entendia como funcionava as coisas do correio mesmo.
De noite, antes de pegar no sono, lembrei-me vagamente de não ter descido e espiado o que estava escrito na cartinha.
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Assistente Especial
FantasyUm dia antes da véspera de natal, Camila se torna responsável por cuidar de seu sobrinho e, em meio a uma pequena discussão sobre a duvidosa existência do Papai Noel, Gabriel acaba pedindo mais um presentinho ao bom velhinho: Que sua tia acredite.