Oficina do Papai Noel

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Diferente. O ar estava mais gelado do que nunca e trazia um cheiro leve de pão doce, o que era estranho, de certa forma, já ninguém estava na cozinha - eu torcia. Também cogitei a ideia de o cheiro vir do apartamento vizinho, já que a cozinha de dona Clara era colada ao meu quarto, mas essa teoria foi por água abaixo quando me forcei a abrir os olhos e notei que ainda estava escuro. Eu já estava me preparando para voltar a dormir, quando revirei na cama e caí no chão.

Mas que diabos... Sentei ali mesmo no chão frio em um salto, tentando não me assustar mais do que deveria. Certo, aquele não era o meu quarto. Parecia muito mais com uma espécie de dormitório, cheio de camas consideravelmente pequenas, com colchas xadrez, umas vermelhas e outras verdes, intercaladas. Que tipo de pessoa dormia ali? Talvez crianças. Aquilo podia ser um colégio. Independente do que fosse, eu não deveria estar ali.

Ousei olhar melhor ao meu redor, e me arrependi completamente em menos de cinco segundos. Meus olhos pousaram no que estava além de uma das janelas de topo arredondado e quase saíram das órbitas. Neve! Não caía em quantidade brusca mas, ainda sim, mesmo nunca tendo-a visto pessoalmente, os floquinhos de gelo eram inconfundíveis. E assustadores, porque na região onde morava, não nevava, e sequer fazia frio no natal.

Minhas pernas estavam bambas quando levantei, e a lombar doía um pouco por causa do tombo, mas não me importei muito com isso. Eu precisava ver aquilo de perto.

- Meu Deus. - murmurei assim que me aproximei da janela.

Tudo, absolutamente tudo, se encontrava sob uma espessa camada de mais puro gelo. Literalmente, eu estava em meio a uma fria, e nada mais fazia sentido. Não era necessário ser um gênio da física para concluir que, uma vez que dormi no meu quarto, eu deveria acordar nele. Bem, claramente não era isso que estava acontecendo.

Me virei imediatamente assim que a porta, um pouco distante da "minha" cama, foi aberta, e tentei não ficar tão surpresa ao ponto de parecer rude, o que foi praticamente impossível. Quem estava do outro lado era um homenzinho - que provavelmente não batia nem em minha cintura -, vestido espalhafatosamente com uma espécie de vestido verde, enfeitado com cinto e botões pretos e mangas compridas, meia calça com listras vermelhas e brancas, sapatos pontudos e um gorro da cor da roupa.

Eu cairia na gargalhada se ele não estivesse me olhando tão seriamente por cima do nariz grande demais para seu rosto, enquanto acariciava o queixo.

- A Assistente Especial desse ano, hum? - perguntou, com o tom de voz irritadiço.

- O que? - franzi o cenho. Assistente especial do que?

- Suas roupas estão ali. - apontou para uma cômoda de madeira encostada na parede. - Volto daqui a dez minutos. Temos muito trabalho.

E ele saiu tão rápido quanto entrou, me deixando plantada no mesmo lugar.

Que diabos era aquilo? Eu não fazia a menor ideia de onde estava e um ser... desconhecido havia acabado de falar comigo. Sem saber muito bem o que fazer, apenas o obedeci, mesmo à contragosto.

*

Minhas mãos tremiam por baixo da luva feita de veludo, assim como o resto da roupa, mas não de frio. Eu estava ansiosa para que a coisinha voltasse e finalmente desse algum sentido àquela zona toda. Porque, convenhamos, não dá para acreditar muito em um lugar isolado no meio do nada com serezinhos esquisitos que te nomeiam como uma Assistente Especial.

Falando nele, o mesmo homenzinho voltou ao dormitório junto a um outro, de nariz menor e olhos mais esbugalhados. Os dois se pareciam, de certa forma, apesar de o segundo estar de roupa vermelha e meia calça verde e branca. Independente das cores, para mim, eles ainda tinham um gosto peculiar para roupas.

O vermelhinho era bem mais animado, abrindo um grande sorriso e colando as mãozinhas nas bochechas. O outro pareceu querer falar alguma coisa, mas foi ignorado quando o amigo começou a saltitar.

- Isso é tão empolgante! - se aproximou de mim. - Eu adoro humanos! São quase tão altos quanto o Papai Noel.

A risada quase escapou da minha boca quando ele terminou de falar. Então entraríamos no quesito fantástico da coisa? Papai Noel? Francamente, era um insulto à minha lógica e à realidade.

- Você é a Camila, não é? - disse quase desesperado. Quando assenti, ele pareceu mais aliviado. - Eu sabia que não erraria dessa vez.

- O que vocês são? - finalmente perguntei. Eu estava desesperada por aquela resposta.

O de vermelho tomou para si um ar de espanto mais dramático que o necessário, se encolhendo um pouco para trás, como se algo tivesse o acertado.

- Não somos coisas. - reclamou. - Somos tontuts.

Ótimo, e o que significava? Uma nova espécie? ET's? Não acabava com a minha dúvida.

- Duendes. - o verde traduziu. - Sou Otto e ele é o Ollie. - respirou profundamente, como se aquelas palavras lhe custassem muito. - E você é a nossa Assistente Especial deste ano. Bem vinda à Oficina do Papai Noel.

Será que eles levariam a mal se, dessa vez, eu risse de fato? Provavelmente, mas era comicamente demais para minha cabeça. Vejamos: Eu estava frente a frente com homenzinhos que se diziam duendes; sendo o que eles chamavam de Assistente Especial, e em um lugar que eles diziam ser a Oficina do Papai Noel. Não dava para levar a sério.

Respirei fundo tentando inibir qualquer indício de risada que poderia sair de mim e os fitei, me inclinando um pouco para frente, por puro reflexo, já que era mais alta que os dois.

- Olha, foi um prazer conhecê-los - procurei usar um tom de voz mais amigável -, mas eu preciso voltar para casa e cuidar do meu sobrinho, então se puderem me mostra o caminho de...

- O Gabriel está bem. - disse Otto.

- É verdade. - garantiu, assentindo freneticamente. - Eu mesmo coloquei o pozinho mágico no seu apartamento. Ele está seguro.

- Vocês entraram no meu apartamento?! - explodi.

Tudo bem, a brincadeirinha estava divertida, mas agora eles passaram dos limites! Pelo amor de Deus, aquilo era invasão de privacidade. Mas é claro, o que eu esperar dos seguidores do Papai Noel, um homem que invadia as casas, entrando pela chaminé, em todos os Natais? Provavelmente, ninguém ali via isso como um crime. Percebi não muito orgulhosa de mim mesma que já estava começando a considerar aquela loucura.

- É claro. - disse Otto com obviedade. - Precisávamos te colocar no trenó de algum jeito. - Agora estávamos entrando no assunto de trenós. Eu já estava esperando por fadas e bonecos de neves falantes, para complementar a bizarrice. - Vamos, não temos muito tempo. A véspera de Natal é hoje! - avisou, dessa vez mais animado.


Assistente EspecialWhere stories live. Discover now