Carta 2

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23 de setembro, 2016.

Choveu novamente. Não como na primeira carta, porque choveu muito mais. Até minhas botas ficaram ensopadas. A sorte é que eu sempre carrego meu guarda chuva quadriculado.

Sim, meu guarda chuva. Não tive a chance de mencioná-lo antes, mas ele é a espada que acompanha meu sobretudo marrom e minhas botas surradas. Acolhe-me feito uma pequena casa.

No momento, me encontro numa estrada lamacenta cercada por pinheiros enormes. Porém, consigo enxergar um solo mais 'caminhável', grama.

É, no mínimo, fascinante a forma como a natureza e sua quietude silencia as turbulências humanas.
Tal poder  me encanta e aterroriza.

Está bem frio. Os cervos, esquilos e aves que avistei mais cedo já se abrigam em seus esconderijos. Eu continuo a caminhar, mas aliviado. Há uma casa à vista. Na beira do rio quase congelado, construída com madeira e algumas pedras, bem convidativa. Ao me aproximar dela, vejo que não é tão pequena quanto a distância me mostrava, parece até que possui uns três andares e percebo que sua arquitetura é incrivelmente desenvolvida. Parece a casa dos meus sonhos, é idêntica para ser sincero.

Entretanto, há uma singularidade que irei relevar daqui a algumas palavras.

A entrada da casa é composta de uma varanda agradável de madeira com uma pequena cerca. O teto e algumas paredes são feitas de pedra da floresta, menos a chaminé, que foi construída com uma pedra mais clara; não consegui identificar.

Ao adentrar a moradia, fico fascinado ao ver que a casa é composta de dois andares. Bom, um dos andares sendo subterrâneo e extenso. A singularidade é essa: uma casa de tamanho normal, no meio da floresta que escolhi adentrar e que possui um andar subterrâneo extenso e de madeira trabalhada.

É a casa ideal: muitos livros que já li e que não li, há uma cama de casal, elevações, galpões e sótãos e até mesmo roupas que fazem meu estilo. Começo a pensar numa interferência divina, mas escolho agarrar a mão da aleatoriedade desse mundo cegamente e aceitar esse "presente".

Ando mais depressa até chegar no fim da extensão subterrânea e encontro uma escada meio estreita que dá pra outra parte no solo; parece ser do outro lado do rio. Descubro que existe uma cabine de madeira que age como outra entrada para o complexo e, novamente, fico fascinado.

Inúmeros planos me vêm a mente e decidi me estabelecer de vez na casa, que já possui até mesmo suprimentos para semanas; se meus cálculos não estiverem errados.

Claramente, antes decidi ter certeza de que a casa era inabitada e encontrei um certo "Diário de Habitação". Uma velha mulher morava aqui por 10 anos até que uma doença terminal tomou conta dela. Através de seu atestado, ela determinou que "a casa irá pertencer ao primeiro andarilho que a encontrar". No caso, eu.

O diário parece ter um pouco mais de 400 páginas e decidi começar a lê-lo com bastante atenção ao passar dos dias; há instruções e anotações essencias.

Seu nome era Ramona. A chuva começou novamente quando parei de ler o diário e tomei essa chuva como as últimas lágrimas de Ramona. Obrigado, Ramona.

Atenciosamente,
Gabriel C.

P.S. Acho que estou perto de encontrar aquilo que procuro. Mas sinto que ainda há muitos desafios por vir e esse complexo será o registro dessa aventura agregadora.

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