Parte Negra. Capítulo 6 - O Colégio

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  Naquele dia acordei ouvindo o barulho do cortador de grama que ojardineiro manejava bem debaixo de minha janela. Aquele cheiro de matocortado entrava pelas frestas da veneziana e eu respirava bem fundo para queaquele ar perfumado penetrasse em meus pulmões. Depois senti a Tuli, nossacachorrinha, raspar a porta baixinho para entrar. Sabia que eram seis horas.Todos os dias era a mesma coisa e eu nem precisava olhar para o relógio. Puleida cama. Abri a porta. Tuli pulou por todos os lados, latindo e abanando orabinho. Eu fui para a janela e olhei o lindo dia que despontava, todo azul eamarelo. Acenei para o jardineiro, depois corri para o banho, vesti o roupão eabri a porta do quarto e parei para ver Renato, cantarolando, descer as escadasde dois em dois degraus e já no saguão beijar mamãe, que sempre nos esperavapara tomar café, e ri alto, quando ele a levantou nos braços e passeou por tudocom ela no colo, rindo e fingindo que ia deixá-la cair. 

Nunca vi Renato tão tagarela, enquanto tomávamos café, mas, no carro elefalou um pouco triste: 

― Não sei por quê, mas gostaria de não ir ao colégio hoje. 

― Que é isso, mano, justo hoje que começam os exames.

 ― Ah, já nem me lembrava. 

― O que há Renato, algum problema?

 ― Nada. Ou melhor, estou com uma tremenda dor de cabeça. 

O chofer ouviu e perguntou se queríamos parar em algumafarmácia.Renato não quis. 

― Isso passa. Obrigado. 

Quando entramos no colégio, vi que Mário veio sorrindo em nossa direçãoe disse (Mário nunca mais, desde a briga, nos cumprimentara): 

― Oi, Renato, posso falar com você? 

Renato sorriu, mas eu fiquei sério, olhando para Mário, com o sobrolhofranzido. Ouvi o que ele falava: 

― Sabe, Renato, analisei bem a nossa situação e cheguei à seguinteconclusão: não devemos continuar com esse rancor bobo, já que o ano se finda enão pretendo continuar nesse colégio no próximo ano. Que tal apertarmos asmãos?

 A mão de meu irmão apertando a mão de Mário e sua voz calma e amiga: 

― Penso como você, Mário, não devemos nos deixar envolver porprobleminhas infantis. Sejamos amigos. 

Mário virou-se para mim e esticou a mão, eu ia levantar a minha, masquando fixei meus olhos nos seus, vislumbrei lá no fundo de seu olhar algo duro,mau. Abaixei a mão, virando-lhe as costas e entrei na sala de aula, não antes de ver que Mário dava o braço para Renato e seguiam os dois, em direção àlanchonete. Logo mais, Renato veio para a classe bem na hora que começaramos exames. Olhei para Renato e vi que ele suava muito e passava a mãoconstantemente pela testa. 

― Que foi, Renato? 

― Nada, nada. Tomei um comprimido que o Mário me deu para passar ador de cabeça. Eu... 

O professor pediu silêncio. Mas, eu não conseguia me concentrar noexame. Todos os momentos levantava os olhos e ficava com o coração batendodesordenadamente por ver meu irmão tão inquieto.

 Na saída, Mário apareceu outra vez, falando que a turma dele tinharesolvido fazer uma festa em beneficio dos favelados que Renato ajudavanaquele momento e que meu irmão devia ir à reunião deles. Renato meconvidou, mas eu preferi ir para casa e avisar mamãe, como Renato pediu. Nahora do jantar, Renato ainda não havia chegado, o que deixou mamãe muitopreocupada.

 ― Ora, querida, Renato não necessita de tanta vigilância. Ele é um meninoresponsável. E depois ele cresceu, não é mais o menininho que tem de ficaragarrado à saia da mamãe. 

O EstudanteOnde histórias criam vida. Descubra agora