Winter's End

Três

    O dia seguinte amanheceu frio e escuro. Eu me recusei a abrir os olhos enquanto o despertador tocava, e procurei por ele cegamente até conseguir desligá-lo. Estava frio demais para sair debaixo das cobertas - e além disso, uma sensação de pânico estava começando a se alojar no meu peito. Aquele ia ser meu primeiro dia como a aluna nova de seja lá qual for a escola que minha mãe tinha me matriculado. Eu não estava a fim de enfrentar as pessoas curiosas que normalmente ficam anunciando a presença de alunos novos para cada ser vivo em quilômetros só porque nunca têm nada de útil para fazer com suas vidas.

Ok, talvez eu estivesse exagerando um pouco, mas o fato é que eu não queria sair da cama e muito menos de casa naquele frio.

"Alice, você está acordada?" - Lilian perguntou enquanto batia na porta. Eu grunhi.

"Bem, desça logo, o café da manhã está quase pronto." - ela falou, a voz parecendo ligeiramente hesitante.

Eu havia me recusado a jantar no dia anterior, e não havia saído do meu quarto a não ser para ir ao banheiro antes de dormir. Se já estávamos nos sentindo desconfortáveis com toda a situação, aquilo só havia feito o desconforto aumentar. Não que eu me importasse.

Eu me levantei com um suspiro. Me espreguicei e peguei algumas roupas antes de me dirigir ao banheiro. 

Desci as escadas e me dirigi para a cozinha, já pronta, e me sentei à mesa.

"Bom dia." - Harry falou. Ele já estava vestindo o uniforme da escola, e fiquei meio aliviada ao ver que ele não iria estudar na mesma escola que a minha. 

"Oi." - falei. Ele logo desviou a atenção de mim e eu suspirei, aliviada. Eu não estava acostumada a lidar com crianças, muito menos com uma que de algum modo eu deveria gostar, já que tínhamos a mesma mãe.

Lilian colocou uma tigela com cereais e um copo com café na mesa. Eu franzi o nariz.

"Não gosto de cereal." - murmurei.

"Eu também não" - Harry comentou. - "Só do de chocolate."

Lilian olhou para nós, parecendo confusa.

"Eu achei que você gostasse." - falou - "Quando você era pequena, você comia todo dia."

"Não me lembro disso." - falei, e me levantei. Era mentira, mas ninguém precisava saber.

"Você não vai comer?" - ela perguntou.

"Não estou com fome." - menti.

"Você não come desde ontem."

"Não estou com fome." - repeti, e saí da cozinha. 

Me joguei no sofá da sala, abraçando minha bolsa enquanto enterrava a cabeça nos braços. Tudo o que eu queria naquele momento era sair dali e voltar para casa. E dormir por duas semanas, também. 

Lilian não disse uma palavra enquanto abria a porta. 

"Estamos indo!" - Harry exclamou, excessivamente empolgado enquanto saía de casa. Eu grunhi e me levantei. 

Eu fiquei parada ao lado da porta do carro enquanto Lilian falava com um dos vizinhos. Eu não estava realmente prestando atenção em nada, então meio que me assustei quando senti uma mão puxando a manga do meu casaco. 

"Posso perguntar uma coisa?" - Harry falou, me encarando.

"Já está perguntando." - falei. Aquilo era o que o meu pai sempre dizia quando eu perguntava isso.

"Outra coisa." - ele riu.

"Hm."

"Como você pode ser minha irmã se o Henry não é seu pai?" 

Eu grunhi, todo o resto de bom-humor que já não existia me deixando.

"Minha mãe é sua mãe. Isso quer dizer que você é meu meio-irmão."

"Então quer dizer que eu sou seu irmão mesmo que nossos pais não sejam a mesma pessoa."

"Meio-irmão." - falei.

Lilian finalmente terminou qualquer que fosse o assunto que estivesse falando e abriu a porta do carro. Eu entrei, aliviada de não ter que falar mais. O carro estava quente, e cheirava a café e cigarros. Eu fechei os olhos e suspirei, encostando o rosto na janela. 

Não acredito que estou aqui, pensei. 

Eu deveria estar em casa, com meu pai, não vivendo com uma estranha que eu deveria considerar como minha mãe e sua família. Eu deveria estar indo para a minha escola, encontrar meus amigos e depois sair para me divertir, não indo para um lugar completamente desconhecido, ser a novidade do mês, e tentar socializar com um monte de gente desconhecida.

Mas ali estava eu, não é mesmo?