A Curandeira da Floresta

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As sacolas de Elízia estavam cheias de dar gosto, folhas e frutas transbordavam dos pequenos embrulhos revelados. As frágeis mãos da garota sofriam com o peso, porém um sorriso estampava seu rosto. Seguia seu caminho pela misteriosa floresta Ilma, onde ia semanalmente com os mesmos embrulhos de sempre, as enormes árvores intimidavam-na, mas seu foco era inabalável.
A jovem garota de 13 anos sempre fazia o mesmo trajeto para visitar o pai enfermo, todos os dias quando chegava era recepcionada por Foo e Boo, os dois cães gigantes da velha senhora que dedicava sua vida para ajudar as pessoas doentes. A casa era toda coberta com flores aromáticas e medicinais, o aroma vindo do local era quase mágico, transportava a todos para outra dimensão.
A senhora de corpo aparentemente frágil recebia Elízia de portas abertas, Flora era amigável e sempre acolhedora com estrangeiros. Ao passar pela porta a garota sempre erguia seus braços em direção ao pai, o abraço era tão apertado que os olhos de Juca quase pulavam de seu rosto. O homem tinha seus 40 e poucos anos e uma perna ferida, a curandeira tentava de todas as formas restaurá-la, mas nada parecia surtir efeito.
Todas as vezes que Elízia chegava perto do pai era a mesma história “Um dia conseguirei te carregar nos braços de novo e correr por todos os lados...”. A menina não suportava ver seu pai com essa tristeza mórbida que nele habitava, por isso cantava canções de ninar para ele, sua voz era incomparável, quem a ouvisse certamente ficaria enfeitiçado por sua beleza. Voltando para casa a menina de longos cabelos avista um jovem que se misturava entre as árvores, tanto por sua camuflagem quanto magreza, Elízia então acena e segue seu caminho.
Elízia morava com sua tia Alma, irmã mais velha de seu pai, a garota se sentia um peso nas mãos da tia, só que o destino não traçava um caminho diferente para ser seguido, cabia-lhe o conformismo de uma vida monótona e cheia de regras.
Mais uma vez a garota segue rumo a floresta e novamente vislumbra a sombra do jovem magrelo entre as árvores, desta vez ela se sentiu um pouco intimidada, teria ele a vigiado todos os dias de seu trajeto? Até mesmo o dia que se banhara na cachoeira despida de todo seu orgulho? Esse pensamento assustou-a, seguiu em frente, mas com o sorriso menos expressivo. O olhar da jovem fixava na janela da casa de Flora todas as vezes que a avistava, dali ela via o rosto do pai a encarando, o olhar de Juca quase falava ao encontrar o de Elízia, os olhos verdes magoados pela vida brilhavam mesmo com o sol esmaecido.
Desta vez Flora a recebeu na beira da estrada, havia um ar de mistério nos negros olhos da senhora esguia, sem dizer uma palavra pegou a mão de Elízia e a levou para os fundos da casa. Após remover uma camada de capim ao lado da porta, Flora revelou uma pequena porta de madeira esverdeada, ao abrir, uma escada de profundidade inimaginável foi mostrada, a garota fica intrigada, mas sua confiança na senhora era maior que qualquer dúvida que poderia surgir.
Após descerem as longas escadas, Flora acendeu algumas velas para iluminar o úmido local, a pouca luz era suficiente para mostrar os artefatos que lá haviam. Flora falou abertamente com Elízia.
_ Aqui é onde eu trabalho todos os meus segredos medicinais, toda forma de cura se encontra aqui, dentro de cada frasco existe um elixir divino, seu pai está com um problema que eu nunca cogitei a existência, a lâmina que passou em sua perna estava envenenada com algo que jamais ousei procurar, mas agora estou te mostrando meu acervo porque quero que você saiba de tudo que existe nesse mundo, de bom e de ruim.
Então, Flora revela outra porta dentro da profunda caverna abaixo da casa, nela continham frascos coloridos, especificamente ela pegou um de cor escura e o mostrou a garota que a encarava impacientemente. Flora revela a Elízia o veneno que habitava em seu pai, Sangue de corvo era seu apelido, mas a senhora nunca conseguiu descobrir sua composição, ela havia feito várias versões de antídotos, nenhum foi capaz de reverter a situação de Juca.
As duas voltam para à superfície e a normalidade da calmaria da floresta, Elízia então entra na casa florida e ergue mais uma vez os braços para seu pai que a aguardava afoito. Mais uma vez, com um nó no coração ela se despede de seu querido e sai antes de anoitecer. Dessa vez seu olhar revelava um tom de agonia, o segredo do envenenamento do pai estava a perseguindo, a cura estava longe de ser alcançada. Ao ouvir gravetos quebrando, ela volta seu olhar rapidamente para trás, mais uma vez avistou o homem palito, ela o apelidou assim. O jovem que a seguia se aproxima amistosamente.
_ Dona de um sorriso encantador e voz límpida, conquistou a floresta e a mim como jamais antes. Me dê o prazer de tocar uma música para harmonizar com as suas notas divinas. Meu nome é Iago e o seu?
Elízia que já estava incomodada com a audácia do rapaz de aproximadamente 24 anos, murmurou seu nome como se fosse obrigada e partiu. Após ver a atitude da moça Iago toca alguns acordes e a segue.
_  Eu sei que você vai na casa da curandeira, e sei o que faz lá.
Elízia fica preocupada com a informação.
_ Sabe? E quem te deu permissão de vasculhar a minha vida? Quem é você? Por que me segue? Faz dias que eu o observo me espionando.
_ Eu só quero ajudá-la, meu pai sofreu do mesmo problema que o seu, o sangue de corvo passou por seus dois braços e os amoleceram, eu prometi que quando encontrasse alguém com esse problema, eu iria ajudar como pudesse, por isso estou aqui, te ofereço a cura que seu pai precisa.
A garota já não sabia mais se confiava no rapaz, então virou as costas. O rapaz insatisfeito a segura pelo braço e entrega a ela um pequeno embrulho.
_ Esse é o remédio que tem o poder de curá-lo, se você o derramar nas feridas de seu pai rapidamente elas de fecharão, se ele o tomar a cura será completa. Se não acredita em mim faço o teste!
Elízia mesmo descrente toma o frasco para si e volta para a casa de Alma, seu atraso seria motivos de briga para mais de semanas. Após chegar em casa e ouvir as mesmas baboseiras de sempre, Elízia deita em sua cama e encara o frasco azulado sobre a sua escrivaninha, esperançosa tinha ali a chance de salvar seu pai.
Dessa vez a jovem não esperou a semana seguinte, adiantou a visita e correu até a casa da curandeira para apresentar a novidade. Ao encarar a janela da colorida casa, ao encarar seu pai, percebeu que seu olhar era desesperador, estava em prantos, ela corre para saber o que havia acontecido.
Ao abrir a porta Flora olha para Elízia e balança a cabeça em sinal de negação. “Agora a infecção está subindo, as pernas de seu pai estão escurecendo, o sangue de corvo já está se espalhando". Rapidamente a garota revela cuidadosamente um embrulho que estava consigo.
_ Eu consegui esse frasco, não tenho certeza se funcionará mas é a única chance que temos.
Flora fica indignada com a hipótese de utilizar um remédio desconhecido, mas ao mesmo tempo se não tentassem em poucas horas Juca já não estaria mais ali. Elízia então derrama o líquido azulado, lindo e brilhante nas feridas do pai na esperança que ele funcione. Flora então pede a ela um pouco para que ela estudasse. Após algum tempo acalmando seu pai, Elízia cai no sono e fica por ali mesmo.
Após acordar ela nota que as manchas que estavam tomando o corpo do pai estavam menos eminentes, as pernas do pai haviam clareado consideravelmente. Flora sentada na mesa de frente a eles ficou admirada com o resultado e aconselha a menina a conseguir mais! Com isso então Elízia sai em busca de Iago.
A garota agora com o sorriso antigo estampado no rosto sai correndo em busca de Iago, desta vez acompanhada de Foo e Boo que a seguiam com entusiasmo. Ao encontrar o jovem perto do lago, ela corre para abraçá-lo.
_ Foi um sucesso, o remédio que você me deu funcionou! As manchas diminuíram, mas não por completo. Preciso de mais.
Iago esboçou um sorriso e levou a garota até sua cabana. Os cães brincavam com os adereços que enfeitavam a sacada de madeira do rapaz, por fim entraram, Iago mostrou a Elízia um frasco enorme, 10 vezes maior que o outro.
_ Para que funcione desta vez, seu pai deve beber todo o remédio, as feridas começam de dentro pra fora, por isso devem ser tratadas da mesma forma, esse é o segredo para combater o sangue de corvo.
Elízia mais uma vez dá um longo abraço no rapaz e acidentalmente derrama um pouco do remédio em um balde abaixo da goteira. Iago se assusta e rapidamente a leva até a cozinha para buscar uma tampa, ao voltar para a porta a garota espanta Boo, ele havia derrubado a água suja da goteira para todos os lados.
Iago acena em despedida e fecha a porta, a garota e os cães voltam para casa, os animais pareciam entender a alegria de Elízia e de sua maneira sorriam também. Ao chegar na casa de Flora a garota abre a porta e corre até o pai, dessa vez a esperança habitava ali, Elízia seguiu as instruções dadas por Iago e pediu ao pai que bebesse o conteúdo do enorme frasco. Feliz por ter mais uma chance na vida ele bebe vagarosamente o líquido azul brilhante. Flora mesmo desconfiada não disse nada, afinal o conteúdo já havia mostrado o seu valor.
Após passar pela porta da casa pela milésima vez, Elízia se depara com Foo impaciente, o cachorro estava quase falando sua língua, mordeu a barra do vestido da garota e a leva até o poço, lá estava o corpo de Boo estirado, de sua boca saía um líquido azul brilhante!

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