O Canto de Elízia

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Após perceber a cor do líquido saindo da boca do animal um filme passara na cabeça de Elízia, sem conter as lágrimas ela se volta em direção a casa, os pássaros que ali estavam se silenciaram por um instante, parecia que estavam pressentindo algo. Os sentidos da garota estavam à flor da pele, cada passo dado por ela estaria mais próximo de ver seu pai no mesmo estado que Boo se encontrava. As mãos desesperadas mal conseguiam abrir a porta, com socos ela chama a atenção de Flora que abre a porta. Ao voltar o olhar para seu pai ela o percebeu alegre, já podia movimentar a perna lentamente.
Por um momento a garota se sentiu confusa, mas sabia que restava pouco tempo para seu pai, sua mente estava em um tremendo caos, sua voz fraca era ouvida com dificuldade.
_ azul... não...
Flora não entendia muito bem o que Elízia dizia, então a senta em uma mesa e dá a ela um chá adocicado, aos goles a menina bebe, recolhe o resto de fôlego que a resta e diz em auto e bom som.
_ O senhor foi envenenado...
As lágrimas no rosto de Elízia foram capazes de molhar todo seu rosto, a sua feição de dor se mesclava perfeitamente com o seu sentimento de culpa “eu matei meu pai”, visto isso Juca se desespera por dentro, mas não demonstra, viveu os mais puros momentos com a filha, recolheu os mais lindos sorrisos e palavras vindos dela, as músicas que ela entoava com carinho que o abraçava eram reconfortantes.
Ele a abraçou mais uma vez e disse:
_ Pode ser que eu não esteja mais aqui daqui alguns minutos, talvez eu não merecesse o amor que você sentia por mim, minha vida fez mais sentido quando vi o quanto você e Flora zelavam por mim.
Elízia já não tinha mais palavras, o olhar vidrado sobre o pai demonstrava o quanto ela queria vê-lo o máximo possível. Após perceber a fraqueza dele, ela repousa sua cabeça e começa a cantar uma canção para ele, possivelmente seria a última que ele iria ouvir, a voz da garota falhava, soluços impertinentes a incomodavam a cada frase, aos prantos ela canta pela última vez para que seu pai pudesse dormir tranquilo. Todas as manchas causadas pelo veneno haviam desaparecido, porém já era tarde para impedir o novo envenenamento, após fechar os olhos, uma lágrima azulada saiu dos olhos de Juca, já não havia mais tempo.
O sentimento de ter dado a sentença ao pai invadiu a mente de Elízia, a dor da perda era rapidamente substituída pelo rancor que sentia por si e pelo ódio á Iago. Ela não sabia a motivação que o jovem tinha para enganá-la, mas sabia que não poderia deixar seu pai morrer ali sem que Iago pagasse pelo que fez. A menina se acomoda ao lado do pai e por lá fica até adormecer.
Ao acordar ergueu seu corpo com dificuldade, sua vontade era de ficar ali e jamais sair, o cheiro adocicado dos lençóis que cobriam o pai a trazia uma saudade dolorosa, tentou por um instante desfocar sua menta na dor da perda, mas já não havia mais sentido, o que foi feito não tem volta. Ouviu passos calmos vindos da cozinha, Flora estava preparando flores para enfeitar o túmulo de Juca, Elízia por fim ergueu seu corpo e foi até a porta, vislumbrou a cova feita pela senhora, haviam duas, o cachorro também merecia um bom lugar para ficar.
Ao se posicionar em frente o túmulo mais uma vez um filme passara por sua cabeça, o momento em que viu o olhar esperançoso do pai ao beber o remédio e ao mesmo tempo ver o quão frágil foi a sua felicidade, momentânea, durou poucos minutos, a alegria parecia não lhe pertencer. Sentiu suas pernas bambolearem, a fraqueza tomou conta da fraca garota, Flora a apoia e termina de enterrar Juca e Boo, foram colocadas rochas escarlate sobre cada cova, aquilo simbolizava uma boa passagem até o descanso dos mortos. Pelo quintal de Flora podia-se ver algumas dessas pedras espalhadas, nem todos sobreviviam.
Flora acolhe a garota em sua casa e cuida para que ela se recupere logo, deu a ela a sopa mais forte que já fez, preparou um banho com flores brancas, seu aroma transmitia paz além de possuírem um aroma inenarrável. Após repousar Elízia já não tinha mais a dor no olhar, trazia consigo um terrível ódio por Iago, recolheu algumas coisas e saiu em busca do monstro que a enganou, ela não fazia ideia do que o motivou a envenenar seu pai, mas ela não queria explicações, queria a sua cabeça!
Elízia buscava entender, nada a fazia aceitar a perda, mas a vida deveria seguir seu roteiro, pela estrada avistou a cabana de Iago, já não seguia mais o bom senso e prosseguiu. Aproximou-se friamente nem mesmo os mais ariscos animais a perceberiam ali, ao focar seu olhar pela janela observou que Iago dormia em um velho banco na sala, tirou da bolsa um enorme vidro de álcool que Flora utilizava para desinfetar os machucados e utensílios, sem pensar duas vezes ela espalhou todo o líquido em volta da velha cabana e acendeu uma chama em um fósforo, ela admirava o fogo como se ele fosse parte dela, jogou-o secamente e o fogo foi se alastrando na seca madeira, à medida que as chamas foram invadindo a casa Elízia se sentia mais viva, o fogo parecia fazer o que ela pedia, foi consumindo a casa pouco a pouco. Sem planejar, um som pode ser ouvido atrás da garota, o latido de Foo ecoou por todo o local.
_Droga. Exclamou Elízia.
Dentro da cabana Iago se assusta com o latido do cachorro e percebe as chamas tomando sua casa, ao ver pela janela ele consegue perceber que alguém estava lá, a fumaça o impedia de reconhecer a silhueta abraçada pelas chamas. Um sorriso foi desenhado no rosto de Elízia, sua expressão havia mudado, já não era a mesma pessoa!

ElíziaOnde histórias criam vida. Descubra agora