Deixando os muros

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Todas as garotas do reino de Rosales sabiam que Cristina era a garota mais privilegiada que vivia ali. Nascida em um esplendoroso palácio elevado há quatro séculos atrás, em uma era dominada pela profunda paz, seu cargo era aspirado por praticamente todas as moças que almejavam o esplendor da vida de uma princesa.

Isso não era de se adivinhar. Costuma ser muito comum encontrar uma dupla de senhoritas discutindo - enquanto se dirigiam para a padaria afim de comprarem os pães mais fesquinhos que pudessem - sobre qual era a melhor parte de ser princesa: Usar as maravilhosas vestimentas produzidas pelas estilistas mais influentes? Dispor de um número gigantesco de criados? As atividades de pouco custo que Cristina exercia durante o dia? Os charmosos cavaleiros que vinham querer despojá-la? Ou seria as viagens inesquecíveis que fazia?

- Não - terminaria uma por dizer -, é o quarto colossal em que ela dorme. Está vendo? - apontando para a torre oeste - É o único lugar que se pode vislumbrar algo além destas gigantescas árvores.

E em suas imaginações estaria o sol ostentando os seus ilustres e inconstantes poentes todos os dias.

Porém Cristina, sendo detentora daquilo tudo, não pensava da mesma forma. Não achava que todo o luxo em que vivia era fonte merecedor de admiração e almejo. Não via os seus visitantes as companhias mais agradáveis e nem suas viagens como experiências memoráveis; comumente resumidas em hospedagens em castelos iguais a tantos outros e visitas ao povoado com sentinelas ao seu encalço. Muito menos, considerava o noivo - ao qual estava, infelizmente, sendo forçada a se casar - senhorio de seu tão sonhado final feliz.

Ao contrário, via-se constantemente questionando a vida que tinha.

Ela seria resumida apenas nisso? Nascer para se tornar uma princesa obediente? Casar-se com uma pessoa que não amava apenas para garantir herdeiros puros e viver trancafiada em um castelo por toda sua eternidade? Com visitantes monótonos, atividades tediosas e tendo a vida íntima comentada por todos os lugares? Sério? Sua vida seria baseada em um "feliz para sempre" formulado por uma sociedade que sonhava estar em seu lugar?

Aquilo tudo não passava de uma prisão disfarçada de "conto de fadas". Um cativeiro ofuscado pelo esplendor de um simples título. Um título que tinha como maior propósito fazer-lhe esquecer.

Esquecer de que não era ali que queria estar. Esquecer dos seus reais sonhos. Esquecer de que ela era mais do que tudo: um ser humano, como todos os outros, que carecia se autoconhecer.

Foi por isso que, na escuridão daquela manhã até então gélida de inverno, ainda ressentida pelos acontecimentos da noite anterior, acordou. Vestindo roupas quentes, carregando apenas uma bolsa com algumas roupas simples, dinheiro e uma adaga roubada do arsenal do castelo, foi ao encontro de Lorde; o cavalo mais forte da corte.

Deixando o estábulo real, junto com tudo o que odiava e amava para trás, partiu. Sem rumo e sem orientação, para a única estrada que havia naquele lugar: a que continha sua libertação.

Cristina não conhecia os arredores daquele reino, nunca havia saído das fronteiras sem ser acompanhada por um batalhão de soldados e trancada em uma escura e sombria carruagem real. Porém, agora, destemida e com o sangue correndo como águas em uma tempestuosa chuva em suas veias, foi.

Foi em busca de si, de seu real propósito e de uma vida longe daquela a qual fora imposta desde sua nascença a crescer, aceitar, amar e morrer.


***


Dentro da imensurável floresta que cobria o seu reino de norte a sul e de leste a oeste, atravessou uma pequena vila; modesta e acolhedora. Com pessoas condizentes, possivelmente achando que Cristina seria mais uma dessas garotas destemidas que saiam a procura de aventuras pelo arredor do mundo, lhe aconselharam sobre os melhores reinos para se visitar, suas direções e seus pontos turísticos. Agradecida, a princesa seguiu em frente depois de tomar um caprichoso café da manhã em uma das padarias da vila e de garantir um estoque considerável de alimentos para a viagem.

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