Capítulo I

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Corro desesperadamente, sabia que alguém me seguia, mas não iria parar pra ver a cara da pessoa, ou do ser. Faltava pouco para amanhecer, pois os pássaros já cantarolavam em seus ninhos e o ar gélido da madruga, sutilmente, dava espaço para o calor dos raios solares. Pulo um, dois, três troncos de árvores em estado de putrefação atirados no chão. Deslizo por baixo de um galho semi caído e minhas flechas quase ficam presas no chão, me ergo e continuo correndo. Conseguia sentir o olhar dos meus perseguidores cravados nas minhas costas, olho para trás, em um momento de reflexo e, quando viro a cabeça para frente dou de cara em uma árvore. Com essa batida sou lançada no chão, minha cabeça, embora não doa, lateja e sinto algo quente escorrendo na minha testa. Penso que estou perdida e dou um longo, e profundo, suspiro para, em seguida, desmaiar.


-Su...-alguém me balança na cama.


-Ei, David. - balbucio e, de um momento para o outro, sento na cama assustada. Ouço música com flautas ao longe. -O que estou fazendo aqui? - indago assustada enquanto verifico minhas roupas e vejo que estou apenas com minhas roupas de baixo.


-Dormindo, é claro. - David franze o semblante.


-Mas, mas... - tento recordar da madrugada.


-Suzanne e David, venham cá. - a voz de minha mãe vem da cozinha.


-Estou indo. - David responde de imediato.


Jogo as cobertas remendadas, mas quentes, para o lado e levanto. Minha roupa de sempre estava ao lado de minha cama, jogada sobre uma pequena mesa de madeira, onde ficava a minha bacia para lavar o rosto. Visto-me e lavo meu resto, minha testa ainda lateja fracamente, levo minha mão até o local que havia batido e sinto, com as pontas do dedo, uma fina camada de sangue seco, estava cicatrizando. Após estar pronta, me dirijo até a cozinha. O que na verdade não era bem uma cozinha, mas sim a junção de sala e cozinha. Éramos uma das poucas famílias, se não as únicas, ainda morando em casa tão simples, pois o rei Gusthav havia disponibilizado casas melhores a todo seu povo.


Minha mãe, Ambiere, estava linda. Trajava uma das suas melhores roupas: um vestido azul marinho que delimitava bem as belas curvas que o tempo não levou, enquanto seus braços eram cobertos por uma manga cinza. Nessas mangas haviam, costurados, uma triluna no lado direito e um nó celta ao lado oposto. Seu cabelo, que geralmente era encontrado solto, hoje estava preso de um lado, em contrapartida uma parte de sua cabeça era preenchida por tranças nagô, uma trança rente ao couro cabeludo que ela havia aprendido alguns anos atrás.


-Olá, mãe. - dou um sorriso leve e me sento. Pego a maçã que minha mãe joga para mim e a mordo. - O David não estava aqui?


-Ele saiu a pouco, você o conhece muito bem. Apenas esperou você acordar para certificar-se que estava bem.


-O que aconteceu durante a madrugada? Eu...


-Esqueça, - minha mãe me corta de forma ríspida e grosseira, com as feições duras- você está bem, foi apenas um deslize seu.- ao lado de fora se ouve o som da música- Venha, - ela me puxa por uma mão- vamos festejar. Hoje começa o festival e mesmo você sendo forte, não vejo mal algum em namorar um pouco.


-Mãe... - reviro os olhos e dou um suspiro longo.


-Sem um piu, senhorita. Você vai ir esse ano, sim. Não quer ir comigo? Ok, mas vá. Eu ainda sou tua mãe e, consequentemente, te mando. Então me obedeça. - ela sorri alegremente saindo porta a fora.


Meus lábios formam um sorriso doce, minha mãe é incrível. Embora sendo minha mãe, sempre me tratou como uma amiga, a qual confia seus segredos e seus desejos mais sórdidos. Ainda comendo a maça, me levanto e me dirijo ao quarto de minha mãe, pois sabia que ela havia deixado algo pronto para mim, sempre ela deixa, mesmo nos anos que me nego a participar. Ao adentrar o quarto fico pasma e boquiaberta, mal podia acreditar naquilo...

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