Capítulo 9

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Em uns quarenta minutos, no máximo, chegamos no Lavandário. Tivemos que subir a pé a ladeira e as escadas íngremes até a plantação e a lojinha. Ou seja, eu sedentário e fumante cheguei ofegante e suando feito um porco. Logo tive uma sensação de que o esforço valeu a pena. Senti uma mistura de odores de lavanda com uma pitada de terra e alecrim. A paisagem era majoritariamente verde com borrões na cor lilás. O pôr do sol estava ali, mais presente do que nunca, deixando a marca laranja naquela vista incrível! Caminhei pela plantação de lavanda, procurando a melhor posição pra tirar algumas fotos e admirar tudo o que eu estava vivenciando. Me senti purificado. A cada passo que eu dava ali, eu tomava cuidado pra não pisar em galhos nem chutar as lavandas. Como se fosse uma troca. Elas estavam se comunicando comigo me enviando purificação e eu gratidão. Nessa caminhada o cheiro gostoso ficou mais forte, como se a lavanda fosse a protagonista. Quer dizer, ela é. Tem uma bela e forte presença nessa cena.

Lia me levou ao mirante, que fica a pouquíssimos metros da onde eu estava. Enquanto eu andava pela plantação, eu fazia parte dessa cena, mas quando me sentei no mirante, parece que não fiz mais parte daquilo. Sentado sou um mero espectador observando uma pintura. Peguei meu caderno de anotações e comecei a desenhar o que eu estava vendo. Morros, pôr do sol e lavandas. Eu estava imerso em cores que já existem e que eu já sabia que existiam e ainda assim eu estava supreso. São tantas cores! A emoção não cabia na minha alma e estava transbordando para o papel através do lápis na minha mão. Era necessário captar aquele momento naquela hora. Não podia perder um minuto de luz e sombra. O silêncio entre mim e Lia não era constrangedor. Ela me observava desenhar. Depois de alguns minutos, ela fala:

—Rapaz, você tem um talento absurdo!

Eu estava tão concentrado que não respondi Lia imediatamente. Eu precisava finalizar aquele desenho. Não me importava se estava parecido com aquela paisagem. Isso era o de menos! O lance era passar a emoção que eu estava sentindo por causa do pôr do sol e da lavanda e concluir o desenho.

Quando eu terminei e olhei o papel, vi a obra mais imperfeita que eu já tinha desenhado. Faltavam cores. Eu que sempre fui arrogante com relação às cores, estava sentindo falta delas em meu desenho. Minha arte estava completa e imperfeita. Fiquei encantado com a imperfeição. Então respondi Lia:

—É um talento que eu não... eu nunca soube aproveitar e explorar direito.

—Pior que não... sempre desenho uns traços aleatórios e nada a ver... agora, fazer uma parada dessas assim tipo muito verdadeira, caprichada e finalizada...puta que pariu faz muito tempo! Mesmo!

—Olha, isso tá muito incrível, Nic. Eu sou suspeita pra falar, mas se você jogasse umas cores aí, hein? Imagina como ficaria?!

—Porra, ficaria show! Jamais que eu conseguiria retratar essa realidade foda de cor no papel, beleza, mas eu poderia tentar numa boa! – eu disse largando o lápis e acendendo um cigarro.

—O que eu não entendo é que você não tem o costume de desenhar pra valer, por que isso? Você é talentoso! Meio caminho tá andado, já!

—Eu fui me acomodando. Deixando pra lá, me enganando fazendo uns traços no metro e só. Me contentando com migalha, entende?

—Não sei se é o seu caso, mas o mundo corporativo tem dessas de sugar a pessoa, sabe? Corta o processo criativo interior dela e vai drenando. Sei disso pela minha prima que mora em São Paulo também e ela me conta uns lance das amigas dela desse tipo.

Isso faz muito sentido. Quando eu comecei a trabalhar na agência, foi quando eu fui abrindo mão da minha arte. Ainda mais que trabalho em mídia, que lida com planejamento e números. Meu Deus do céu.

Já tinha anoitecido e voltamos pra casa da Lia. Ela foi direto pra cozinha pegar copo de água e eu esperei na sala e olhei novamente a bendita porta entreaberta. Sem eu perceber, eu estava parado na frente da porta. No que ela voltou, olhou pra porta e olhou pra mim. Fiquei parado e calado olhando pra ela. Justo nessa última bisbilhotada eu descobri o que tinha lá.

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