Capítulo 14

18 0 0
                                    

Como toda boa sexta-feira procuramos por um almoço vibrante. Escolhemos o Le Restaurant que fica na rua de trás da agência. O nome é tão óbvio que chega a ser criativo, a comida é deliciosa e o preço bem salgado. O ambiente externo é bem arborizado. Sempre que vamos lá tenho a sensação de primeira vez. Me encanto, vem um sentimento de novos ares e me sinto bem-vindo. Lugares assim se fazem necessários na rotina do trabalho.

Esse é um almoço importante, porque vou dar a notícia de que pedi as contas pro resto do pessoal.

Conto a todos de que este seria meu último mês. Eles têm a reação que eu quero! Todos surpresos sem entender muito bem o motivo. Fred encarna o papel de chefe e pai:

— E é o que falei pro meu garotão aqui – Fred diz olhando pra mim com a mão no meu ombro – não existe profissional ruim... é tudo uma questão de perfil... o perfil x pra vaga x.

— Mas cacete, demorei muito pra me tocar disso!

— Foi naquela reunião do tal HD esquecido que você percebeu?

— Nossa, foi. Que carão. Ali a ficha caiu completamente.

— Mas, Nic, tu já sabe o que vai fazer da vida agora? – pergunta Jana quase interrompendo Fred.

— Cara, eu quero muito resgatar meu talento de desenhar e criar figuras ou então retratar a realidade da minha maneira, sabe? Vou adequar isso ao mercado de trabalho, não sei...algo relacionado a arte mesmo.

— Desenhar? Eu não fazia ideia desse teu talento, garoto – Jana diz com os olhos arregalados.

— Acho que, na real, ninguém sabia. Posso mostrar uns desenhos antigos meus, da época da faculdade, pra vocês terem noção do meu traço.

Nessa hora Fred dá um gole na cerveja e olha pra mim. Eu conheço esse olhar.

— Então bora pra casa do Nic amanhã ver essas artes. – Fred lança a ideia e me olha, louco pra ver minha reação. A real é que gostei da ideia dele. Nunca recebo amigos no meu apartamento.

— Bora – respondo na inocência dando uma garfada.

— Ué – Paes fala olhando pra mim. Todos olham pra mim.

— Quê? – respondo dando um gole na minha soda.

— Cara, cê tá topando um rolê no seu ap? – Paes pergunta pasmo.

— Fred sugeriu e eu só disse ok!

O Fred não parava de dar risada.

— Eu joguei verde e colhi maduro, bicho.

— Mas você fecha tipo house party?! – Edu o mais jovem e baladeiro desenvolve a ideia do rolê.

— Tá bom, house party no Nic – Fred riu – male male ele convida a gente pra jantar ou ver filme lá imagina uma festa, porra. Duvido.

— Ué – eu disse olhando pro Fred – tá combinado. House party lá no meu apartamento.

Entendam que eu nunca recebo visitas no meu apartamento. Família de vez em quando e Fred quase nunca. Imagina uma house party. Preciso dar uma geral muito rápida na sala e no quarto.

*

A house party está bem divertida. Toda hora minha coleção de relógios é pauta. Conto algumas histórias de uns relógios dando muita risada. Jana está gamada na história do que tem frutas no lugar dos números. Por que não dar a ela de presente? Melhor ainda: por que não presentear a galera com esses relógios? Seria muito daora a cada história eu escolher uma pessoa e a presentear. O relógio mais diferentão com um design esquisito vai pro Paes por causa da risada dele, a risada única e diferente. Edu fica com um dos últimos que minha vó comprou antes de adoecer, que é da Budweiser com uma luz neon. Alternativo e Augusta que nem ele. O único que vai permanecer comigo é o do noivado.

Gan na minha festa?! Não me lembro como ele veio parar aqui. Sério. Papo vai e papo vem, resolvo trazer uma pauta à tona. Assim como eu tinha certeza de que minha coleção de relógios surgiria na boca do povo, Gan está ligado de que a história da editora também é assunto. Melhor ser direto e perguntar o que aconteceu, né?

— Foi por uma garota. – Gan diz com as mãos nos olhos, fazendo movimento negativo com a cabeça – eu vacilei feio!

Continuo olhando pra cara dele querendo dar muita risada, mas percebo que ele está realmente com muita vergonha. Continuamos nos olhando calados. Pausa dramática. Preciso responder alguma coisa, meu Deus! Mostrar minha reação e quebrar o gelo!

— Esse mistério todo e no final de tudo ter sido por uma garota?! Gan... criei puta expectativa nessa história toda, meu.

— Tudo coisa da sua cabeça! Você que criou esse mistério em cima de uma situação simples.

— E o lance do curso, deu certo? A conversa que eu tive com a Cris foi tão bosta! Deu em alguma coisa?

— Você foi um inútil, Nic! – meu Deus, o Gan falou isso de um jeito muito engraçado eu não paro de rir – vou conversar com a Cris de novo na semana que vem sobre a ajuda e meus planos.

— Ela não falou com você logo depois que eu conversei com ela?

— Falou, óbvio... aquela mulher num tem papas na língua. – Eu estava rindo de novo! Seria o álcool ou Gan é realmente engraçado?

— Pera, tô mais curioso pra saber da garota da editora!

— Me fudi muito com essa mina, mas a gente teve um lance muito daora...

Gan é um cara legal e engraçado. Ele é uma pessoal normal e comum, que tem dias bons, dias ruins. Tem uma pitada de humor. Se fode e é feito de trouxa, assim como eu.

Estou reparando na minha sala de estar e ela está tão vazia sem os relógios. É um novo lar. Uma nova essência. Fred se aproxima de mim nesse momento.

— Concorda que é um outro apê? – eu disse ainda olhando para as paredes sem os relógios.

— Como assim, nego? – Fred está tão bêbado quanto eu só que ainda mais aleatório.

— Sem os relógios. Me desapeguei deles. É um novo apartamento. Sente essa coisa toda nova?

— Meu, eu vejo um Nic diferente. Pediu as contas, recebeu a galera no ap, quer novos ares, investir no talento oculto que tem, aí agora se desfez dos relógios. Num sei o que aconteceu com você, mas esse garotão aqui – diz colocando as mãos no meu ombro – tá muito diferente.

— É que eu passei por uns lances interessantes.

— Passou pelo quê, meu?

— Não existiu virose, Fred. Nunca existiu.

— Porra, bicho! Filho da puta você colocou adesivinho band aid nesse bracinho mole fingindo que tomou soro! 

Eu dou risada dele e também do que eu fiz. Eu me esqueci que cheguei nesse nível da mentira, meu Deus. Eu pensei nos detalhes pro dia após a virose. O tal band id pra simular o soro na veia e a todo momento eu tomava água ou Gatorade. "Só" o atestado que enrolei pra entregar e ainda devo pro departamento pessoal. Fred prosseguiu.

— Ainda bem que a gente é brother, porque se fosse algum outro chefe e descobrisse essa farsa, rapaz! Cê taria na merda!

— Putz, nem me fale! Essa brotheragem aqui – dessa vez eu que coloquei a minha mão no ombro dele – me serviu pra alguma coisa! – Eu disse zuando Fred.

— Olha o cara! Só na zuera! Mas falando a real, quando quiser conversar sobre esse lance, a gente sempre vai ter o Suvaco, breja e polenta com parmesão.

— Fabio Jr. também, né caralho? E ah, isso aqui é pra você. – Entrego um tsuru pra ele.

Fred olha pro tsuru, olha pra mim e bota a mão no meu ombro. Ele vai me xingar. Já estou no aguardo dos xingamentos. De repente ele começa a cantar alto.

— "Você pintou como um sonho!"

Eu entrei na música:

— "E eu fui atrás com tudo!"

Quando dei por mim mais pessoas estavam cantando:

— "Se isso são coisas do amor acredito que estou vivendo em outro mundo!"

Óbvio que estamos totalmente fora do ritmo, fora as risadas soltas no ar, mas nos encontramos ali nessa bagunça.

Estrada 171Onde histórias criam vida. Descubra agora