Capítulo 12

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Abro a porta do meu apartamento e sou recebido muito bem pela natureza com muito vento saindo pela janela da sala de estar. Como se a natureza não quisesse que eu entrasse no meu próprio lar. Com certeza iria chover em exatos três minutos. Vejo algumas contas e guardanapos no chão assim como os tsurus que eu havia colocado em cima dos relógios. Pego os origamis do chão e percebo o tanto de pó que tem nos relógios. Meu Deus, a minha rinite fica como com todo esse pó?! Todos aqueles relógios, sem exceção, estão infestados de pó e sujeira. Nunca tive zelo por eles. O tanto que eles significam pra mim é inversamente proporcional ao cuidado estético e higiênico que tenho com eles. Alguns estão com a hora totalmente errada, outros com ponteiros quebrados que não se mexem mais, uma lasca na madeira e além de outros erros. Apesar de concordar que é exatamente os defeitos que fazem com que um relógio seja único, assim como as pintas e cicatrizes numa pessoa, eu não gosto de erros. Quando eu observo um erro eu preciso consertá-lo. Olho mais uma vez pro origami e meus dedos estão levemente sujos. O pó passou do relógio ao origami e depois para os meus dedos. Três minutos. Começa a chover bem forte. Vou em direção à janela, abro novamente e me deixo molhar. Aos poucos o sofá fica encharcado assim como o chão e alguns relógios mais próximos da janela. Estou molhado e curtindo a chuva.

Nunca me esqueço sobre o significado de um conto do escritor Ondjaki. O autor conta que corria debaixo de uma chuva forte. Chuva. Para os que não sabem, a chuva possui um significado bonito e poético na literatura: a de libertação. Quando algum personagem está debaixo de uma chuva, ele está de alguma maneira se libertando de algo e purificando a alma.

Por conta da chuva de ontem, acordei hoje com um leve resfriado justo no dia da apresentação. Vou ficar fungando e espirrando o tempo todo. Minha disposição pra essa bobeira toda é baixíssima. E a verdade é que não posso culpar um resfriado por isso. Desde a minha viagem à Cunha tudo ficou diferente. Eu me sinto diferente.

E aquela reunião com a criação? Passei um carão. Eu não estava preparado, não tinha estudado e não levei conteúdo o suficiente. A criação estava a mil por hora e eu engatando a primeira. Eles me mostraram vários materiais e ideias empolgados e eu perdido sem entender aquilo. Não me lembrava onde estava a pasta com os documentos que eu precisava mostrar pra eles. Olha, demorei uns vinte minutos pra cair na realidade nessa reunião. Quando me toquei, percebi que não havia passado pro notebook o que eu precisava mostrar pra eles. A menina falou "a gente espera você buscar seu HD na sua mesa". O problema é que eu não tinha trazido o HD. Meu Deus, só de lembrar me arrepia a espinha. O pessoal deve ter achado que eu estava numa ressaca daquelas! Fred obviamente gostou nadinha dessa história. Antes que eu pudesse contar, ele já estava sabendo pelas fofocas e burburinhos pela agência. Uma das únicas vezes que vi Fred adotando a postura de chefe comigo foi nesse momento. Chegou sem colocar o braço no meu ombro, como de costume. Girou a minha cadeira e me olhou nos olhos.

— Que palhaçada foi aquela na reunião?

— Eu te procurei de manhã pra te contar o que tinha acontecido e você não tinha chegado ainda. – Imagina uma vergonha. Agora multiplica por vinte. Esse foi o nível da minha vergonha respondendo Fred.

— Fodasse, negão. Uma que eu fiquei sabendo por terceiros rindo da tua cara e outra que você foi completamente anti profissional.

— Fred, me perdoa pelo vacilo.

— Um puta vacilo. A oportunidade apareceu, Nic, e você cagou em cima.

O que aconteceu é que a minha alma não estava em mim. Meu corpo estava desconectado com ela. Agora eu teria que estar presente nessa apresentação do planejamento anual. Será que a minha alma já voltou ou ela ainda está vagando por aí procurando um lugar melhor pra mim e pra ela?

Estrada 171Onde histórias criam vida. Descubra agora