CTHULHU, O FIM

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Era 28 de fevereiro, mas não que isso importasse. Há muito não havia mais seguidores do credo críptico. Não havia, na verdade, mais seguidores de nenhuma outra religião. Já há anos que das antigas metrópoles só restavam ruínas. Não devido a um meteoro, ao aumento da atividade solar ou mesmo devido a um terremoto devastador, mas por culpa do próprio ser humano, que destruiu a capacidade da Terra de sustentá-lo. Isso levou a guerras e com elas, toda nossa civilização se foi. Mas apesar de o fim estar cada vez mais próximo, ainda restou parte da humanidade.

Não eram mais do que punhados de párias, selvagens lutando para sobreviver espalhados por um mundo devastado, mas eram o que sobrara. E libertos de leis e da moral impostas pela sociedade que os havia deixado, a única coisa que lhes restou era sobreviver e o único motor que os movia era a fome. Esfaimados e amorais, eles estavam além do bem e do mal, clamando, matando e exultando, todos jubilosos como uma estrela, que brilha com maior fulgor e intensidade antes de finalmente perecer.

E o "glorioso evento" há muito aguardado pelos muitos seguidores e soturnos cultos teosofistas, agora já inexistentes, finalmente acontecera. Após milênios tentando, independente de se por seguidores ou não, a profecia finalmente havia se cumprido, exatamente durante o alinhamento estelar, de modo que o grande Cthulhu finalmente despertara de seu sono de morte. E buscando o que era seu por direito, deixou R'lyeh.

Tartamudeando, o enorme ser saiu de seu templo monolítico, seguiu através da costa de cantárida, recoberta de lama, lodo e algas, ciclópica se vista por um ser humano, mas pequena em comparação com ele, e deixou a ilha desconhecida, uma gotejante babilônia de demônios ancestrais, que acabara de aflorar na superfície. E como uma dantesca água-viva, avançou oceano adentro até surgir na costa continental. E assim como afundou, ele ergueu-se daquelas águas já incapazes de manter vida, um monstruoso Titã dos velhos mitos, só para encontrar uma turba de desesperados que, havendo visto algo se mover na costa, agora o aguardavam junto à praia, todos bradando uma mesma coisa, entoando-a como se ela pudesse acelerar sua chegada.

Não era sua cantilena profana, "ph'nglui mglw'nafh cthulhu r'lyeh wgah'nagl fhtagn", "em sua casa em R'lyeh, Cthulhu morto espera sonhando", há éons ensinada pelos Grandes e Antigos, mas já há muito tempo esquecida pela humanidade, que o enorme ser ouvia, mas uma só palavra repetida à exaustão: – Polvo! Polvo! Polvo!

Então, quando o grande Cthulhu finalmente chegou à praia, os desesperados não o saldaram ou veneraram, mas o atacaram sem piedade. E após o matarem, o retalharam e, num enorme fogo feito com velhas árvores mortas, o devoraram, se refestelando por dias.

FIM!

PS. Esta história me veio quando eu preparava um pratode lula ensopada e me lembrei de que amigos haviam brincado que, devido aos tentáculos, era ensopado de Cthulhu, então "por que não"?    

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