II

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O caminho até à torre norte, também conhecida como "torre dos Professores", foi feito rapidamente. Todos estavam cansados da viagem, mas, mesmo assim, tinham energia suficiente para por a conversa em dia. A Professora Julie tinha passado grande parte das férias na Grécia, a  fazer um pesquisa sobre o primeiro Oráculo alguma vez escrito por magos. O Professor Clyde tinha viajado até à Amazónia, na busca de uma espécie rara de planta que podia aumentar exponencialmente a capacidade mágica de um feiticeiro ou fada durante um período de uma hora e trinta e nove minutos. Mas o mais interessante de tudo era o que a Professora Pamela tinha para contar, sobre a descoberta recente de que o efeito de certas Poções muito conhecidas e comercializadas era, na verdade, um placebo.

-Tenham todos uma boa noite! - desejou Maple, ao chegar à entrada do quarto do terceiro andar.

-Até amanhã! - despediu-se Britanny, passando por Maple, que tinha aberto a porta para ela passar. - Obrigada. - murmurou.

Maple fechou a porta atrás de si. Tirou a varinha de macieira da malinha de mão, e pronunciou claramente o encantamento "Adduce bagagem", que trouxe imediatamente o seu conjunto de três malas pretas e cúbicas, todas do mesmo tamanho, até ao quarto. Observou Britanny fazer o mesmo, e reprimiu uma exclamação de surpresa quando viu aparecer sete malas, das mais variadas cores e padrões, incluindo uma coma forma de uma flor de cinco pétalas, em tons de azul, violeta e cor-de-rosa fluorescente.

Britanny abriu todas as malas com um simples estalar de dedos, revelando uma enorme quantidade de roupas, revistas, livros teóricos, e alguns ingredientes para poções tratamento da pele e do cabelo. 

-Bem, isto é fantástico! - exclamou ela, olhando à sua volta com muita curiosidade. - Desde que entrei para cá que sempre tive curiosidade de saber como eram as zonas da escola que estavam vedadas aos alunos. Não sentiste o mesmo quando vieste para cá dar aulas?

-Na verdade, não. - confessou Maple, baixando a cabeça e reprimindo um sorriso. - Eu e o Sedric uma vez escondemo-nos aqui, quando ele fez rebentar uma caixa de explosivos brilhantes no auditório central, no nosso terceiro ano. Não havia muitos sítios em Antares que nós não conhecêssemos já, quando nos tornámos Professores.

-Que espetáculo! - exclamou Britanny, parecendo genuinamente interessada. - Temos aqui uma rebelde... Hibisco, dá para ver que és corajosa, qual é a varinha?

-Macieira. - respondeu Maple, com uma expressão embaraçada.

-Uau! Um conflito moral, então, suponho...

-Sim, enorme. - desabafou Maple. - Eu sempre detestei quebrar as regras, fazia-me sentir horrivelmente. No entanto, o Sedric foi sempre, e ainda é, o meu amigo mais próximo. Justifico todas estas infrações pela necessidade de o proteger.

-Esse Sedric, fala-me mais dele. - pediu Britanny, de olhos muito abertos. - Existe alguma coisa entre vocês? Estarei prestes a ouvir uma história de amor?

-Não, claro que não! - negou Maple rapidamente. - Somos amigos, sempre fomos. Costumávamos apelidar-nos de Alpha e Beta de Antares, no nosso tempo de estudantes. É que a verdade é que eu era a miúda da varinha de macieira do meu ano... Ninguém tinha muita vontade de se aproximar de mim. O único que foi suficientemente simpático para se tornar meu amigo foi o Sedric.

-Ahã... Pois, não acredito em ti. - declarou Britanny, num tom gozão. - Tu gostas dele.

-Juro que não. - respondeu Maple calmamente. - Podes fazer-me um "Mendacium Detector" se continuares a não acreditar em mim.

-Credo, logo feitiços de nível MTA(1) só por uma brincadeirazinha... Descontrai, rapariga, estou só a meter-me contigo. 

Maple acabou de arrumar tudo nos seus devidos lugares e deitou-se.

-Já chega de falar de mim. Hortênsia azul, estudiosa e prestável, e qual é a tua varinha? - perguntou Maple.

-Nogueira, a combinação perfeita. E nota-se. Sempre me senti muito à vontade com as minhas decisões, raramente tenho problemas de consciência.

-O Sedric também é assim, mas com Safira e varinha de madeira de Cipreste. - revelou Maple.

Os olhos de Britanny abriram-se de entusiasmo ao mesmo tempo que esboçava um sorriso de orelha a orelha. «Sempre gostei de heróis!», pensou, mas decidiu não dizer nada. A natureza da relação entre Sedric e Maple era ainda um mistério. Falar muito sobre ele poderia acabar em desastre. Mas, de repente, lembrou-se de outra coisa que queria perguntar.

-Olha lá, porque é que usas isso na cara?

-A maquilhagem? - perguntou Maple, genuinamente surpreendida. Britanny acenou com a cabeça. - Ah, é por causa do tempo que passo na Londres dos humanos. Eu sei que é irracional, mas tenho pavor de que descubram que sou uma fada. Ajuda-me a ficar mais parecida com uma humana.

-Sim, mas também deixa qualquer fada muito mais feia do que seria ao natural. - afirmou Britanny.

-O que é outra vantagem.

Desta vez, foi Britanny a ficar genuinamente surpreendida.

-Explica lá isso?

-Então, os humanos dizem cada coisa quando vêem uma fada ou uma mulher bonita a passar... É horrível, chega a ser nojento. Quanto mais feia estiver, mais despercebida passo. E isso é sempre bom.

-Temos maneiras de ver o mundo completamente diferentes. Eu acho que uma fada deve ser sempre admirada, e o que é andar pela cidade sem uns comentários de vez em quando? Perdia a piada...

Maple abanou a cabeça.

-Como disseste, temos maneiras de ver o mundo completamente diferentes.

Depois de ter dito isto, Maple olhou para Britanny, que se deitara na cama do lado. Tinha fechado os olhos, e parecia já dormir a sono solto. Maple sorriu, percebendo também que já estava muito cansada. Murmurou baixinho um «Boa noite.», apenas por uma questão de educação, pois sabia que a colega já não a iria ouvir.

Seis andares acima, Sedric chegava também ao seu quarto e desempacotava as malas, depois da conversa com o professor Beasley. Os oito núcleos sagrados... Aquilo era um assunto do mais sério que podia existir. Todos sabiam que eles existiam e o que simbolizavam, de um modo muito geral, mas poucos magos tinham verdadeiro conhecimento sobre eles. Alguns dos mais raros livros de MTA faziam referência aos núcleos, dizendo que não existiam no mundo dito real, que era necessário atravessar um portal mágico para lhes ter acesso. Bem, sendo um conjunto de magos negros, parecia impossível que conseguissem alcançar o núcleo branco. Mas tudo aquilo era muito confuso.

E Maple já sabia de tudo! Sedric deambulou pelo quarto, sentindo-se frustrado. Melhores amigos, sim, mas ela não lhe tinha contado nada! Sentou-se na cama, e suspirou. Se calhar, era normal. Afinal, aquilo era realmente um assunto secreto. Mas o Professor Beasley tinha decidido incluí-lo. E o diretor confiava plenamente nela, ou seja, ela deveria saber que Sedric faria parte da missão. Por isso, ela podia ter-lhe contado. Sedric abanou a cabeça. Estaria Maple chateada com ele? Uma parte dele desejava que sim, que tivesse ciúmes das suas conquistas amorosas daquele verão. Mas Sedric sabia que não.

-A minha cabeça está uma confusão... - disse, sem se aperceber que pensara em voz alta.

-Então vê se dormes. - respondeu-lhe um livro de dentro da sua mala.

Sedric revirou os olhos. Aquele era um dos mais chatos livros de Pronunciação, que tinha a capacidade de falar, com o irritante objetivo de corrigir cada feiticeiro que trocasse um par de letras. No entanto, com o passar do tempo, e provavelmente com a ajuda de algum feiticeiro ou fada que lhe pregara uma partida, o livro foi desenvolvendo opiniões próprias sobre os mais variados assuntos.

Empurrou as malas para o canto do quarto, demasiado exausto para arrumar os seus pertences, e deitou-se na cama. Era bom voltar a Antares, mesmo que isso significasse menos tempo de férias. Seria mais uma semana que passava com Maple e os outros, e uma oportunidade para conhecer a nova Professora de Magia Combinada... Britanny era uma fada extremamente bonita, e não devia ser assim tão mais nova do que ele.

-Dorme, Sedric, amanhã há trabalho para fazer. - disse de si para consigo.

-É verdade, ouviste o Beasley... O castelo não se limpa sozinho! - respondeu o livro.

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1. MTA - abreviatura de Magia Teórica Avançada.

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⏰ Last updated: Jan 23, 2018 ⏰

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A História De Como Eu Te PerdiWhere stories live. Discover now