Introdução

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Sedric

Um dia longo e dolorosamente aborrecido aproxima-se a passos largos. Não que eu esteja surpreendido. O brilho da minha safira anda murcho e baço há quase três dias. E ontem, pelas três horas da tarde, chega-me um envelope muito bem dobrado, contendo uma missiva do meu chefe a informar-me de que as minhas férias vão terminar uma semana mais cedo. Ou seja, hoje.

Sou professor. Ensino e oriento jovens fadas e feiticeiros durante dez meses, todos os anos. Não é um trabalho fácil, e, para além disso, chega a não ser, algumas vezes, um trabalho seguro. Porquê? Porque um mago de onze anos que nunca viu uma varinha na vida, ao pegar nela pela primeira vez, tem uma tendência descomunal para pronunciar erradamente os encantamentos e provocar efeitos, digamos... imprevisíveis. Mas pronto. Estou lá eu para impedir que eles arranquem os cabelos aos amigos, pelo menos magicamente. Porque no que toca à força bruta, isso já é problema deles. Sendo assim, julgo que devo ter direito, pelo menos, a gozar das minhas férias, completas e sem interrupções. Ao que parece, o Professor Alaric Beasley, diretor da Escola de Magia Antares para Fadas e Feiticeiros, discorda.

Levanto-me da cama com pesar. O céu está escuro, a janela, salpicada da chuva. Despeço-me deste quarto de hotel em Paris, no qual vivi a minha última aventura amorosa, e ao qual nunca vou voltar. Visto um manto negro, que me faz destacar dos humanos aqui da zona, não tanto por ser feiticeiro, mas mais por ser inglês. Segue-se o check-out na receção, em que ouço os risos das crianças francesas, que apontam descaradamente para o Monsieur Anglais. Solto um suspiro de indignação, e atravesso a porta giratória em direção à rua húmida, onde os transeuntes se atropelam segurando grandes guarda-chuvas coloridos sob os quais cabem famílias inteiras. Pela enésima vez, aceito que as crianças me dirijam olhares curiosos e francamente desrespeitadores, para os quais não existe resposta possível.

Espero não ser mal interpretado. Eu adoro ser professor, e adoro os meus alunos, sejam quais forem as suas idades. No entanto, tenho preferência especial por ensinar os últimos dois graus, quando a maturidade é suficientemente elevada para não existirem brincadeiras impróprias para uma sala de aula. E estas crianças humanas também despertam em mim uma certa compaixão, e, sejamos francos, admiração: sempre felizes, a rir, a brincar, mesmo vivendo uma vida em que nunca lhes são revelados os segredos do mundo. É uma perfeita mistura de coragem, ignorância e inconsciência que parece ser a receita para a felicidade.

Olho de relance para a minha safira, que uso num medalhão ao pescoço. Parece finalmente estar a ganhar algum brilho. Mas é importante mantê-la escondida dos olhares curiosos dos humanos, que tanto se interessam pelos minerais, mesmo desconhecendo totalmente as suas propriedades mágicas. Esquivo-me graciosamente de um grupo de rapazes vestidos com uniformes de uma escola qualquer, e apanho o primeiro táxi que encontro para a Gare du Nord, de onde partirei para Londres atravessando o Canal da Mancha. 

Só ao entrar no comboio posso, finalmente, descansar. Encosto a cabeça a uma das janelas de vidro, e deixo-me adormecer, para sonhar com o Castelo de Antares e as suas nove torres, localizado no topo de Scafell Pike, escondido magicamente dos humanos que se atrevem a escalar a montanha. É com um sorriso que aceito de novo as memórias de anos passados na escola, tanto como aluno, como como professor. 

*

-Senhor? Desculpe, senhor...? - oiço a voz de um homem idoso chamar, enquanto me puxa a manga do manto.

-Diga... - murmuro, ainda ensonado.

-Chegámos à paragem de St. Pancras. Não é aqui que sai? - quis saber o homem.

A História De Como Eu Te PerdiWhere stories live. Discover now