ELES SÃO APENAS CRIANÇAS

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Um barulho quase que ensurdecedor propagou por todo o vale de Ilhaduta. Era o badalar do sino da igreja principal. Achei engraçado as pessoas daquela cidade ter tempo de ir para a igreja ou coisa assim, ora, as coisas andavam tão rápido naquele lugar, que me surpreendia o tento de afazeres que o dia a dia daquela população levava.

Andando pelos becos, saídas e esquinas da ala norte da cidade, encontrei um enorme monumento, um coliseu. Era tudo tão bem detalhado que me fazia pensar no trabalho que dera esculpir cada coluna, cada adorno, e cada desenho do portal de entrada. Havia enormes arquibancadas, um palco, um estabulo mais ao lado, um calabouço, ou vestiário, não consegui definir muito bem. Enfim, era um monumento estonteante.

- Seja bem-vindo garoto Asher! – Disse uma voz num volume tão alto, que fez meu coração arrepiar.

Era o sr. 381, com sua farda azul e bigode de francês, típico de um guarda da cidade.

- Está preparado para mais uma jornada de conhecimento sobre a nossa maravilhosa Ilhaduta?

Alguns segundos em transe de raciocínio lógico, e pronto. Constatei que a arquitetura daquele lugar, além de ser linda, imita uma caixa amplificadora de som, logo, deviam haver espetáculos de canto, teatro ou debates naquele lugar. Como um quebra-cabeças, peça por peça fui encaixando, e cada peça que encontrava sua posição, trazia um sentimento excêntrico sobre aquele lugar.

- Como estás, sr. 381? – Perguntei eu com um brilho no olhar.

- Estou ótimo garoto Asher, acabo de chegar de casa, e vim direto para cá, pois, com minhas habilidades de guarda da cidade, pude traçar seu trajeto até aqui e lhe aguardar com essa surpresa para você.

- Sabe, sr. 381, hoje quero te falar um pouco sobre coisas que você não sabe aqui de Ilhaduta. Ao entrar aqui, percebi o quanto a mentalidade de vocês ilhadutenhos é infantil. Há 422 anos, duas semanas e um dia atrás, vocês se viram em um ambiente quase como um formigueiro, onde as formigas tinham um papel de importância singular e, de modo geral, eram como uma unidade. Isso também era errado! Não é assim que seres humanos deveriam ser, nós não somos formigas, nem tampouco abelhas. Pouco importa a união das pessoas se o objetivo delas é ser jogadas no vazio.

O sr. 381 começava a ficar pálido, eu não sabia ao certo se devia continuar a dizer aquelas coisas, então resolvi ser mais brando com as palavras.

- Veja, sr. 381, olhe ao seu redor, as pessoas estão todas drogadas, todas elas se drogam com sorrisos, estão sempre tentando manter seu sorriso para aguentar esse peso enorme que é carregar o fracasso da sociedade nos ombros. Elas correm atrás de quem as façam rir, correm atrás de peças de teatro, correm atrás de qualquer coisa que as façam sair do estado atual de melancolia dela. Este coliseu é a maior prova disso tudo, vocês estão todos sendo drogados por sorrisos.
Não me leve a mal, senhor, mas gostaria de que soubessem que vocês ainda são crianças, ainda não sabem o que fazer da vida de vocês, seguem sempre o que dizem, e tornam coisas ditas pelos mais velhos, como coisas reais, a mamadeira de vocês é a inércia, e tudo o que sabem fazer é chorar até que as coisas se resolvam para vocês.
Pessoas como o sr. 756 pensam que se livraram do jogo por serem uma dama, porém parece que não veem como estão presos e levando mais e mais pessoas para terminar suas vidas no vazio. Ninguém nunca pôs os pés fora do tabuleiro aqui, todos estão presos em si mesmos. E a única coisa que deveriam saber, é que aquele banco, com aquela árvore, é tudo o que precisam.

Sinceramente, caro leitor, o sr. 381 ficara admirado com minhas palavras, eu bem sabia que realmente deveria as dizer, sem medo, sabe porquê? Por que no mesmo dia, mais à tarde, o sr. 381 vestiu seu casaco azul, se despediu de mim, e voltou para sua rotina normalmente.



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