Capítulo 4

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Eu estava sentado naquela sala branca, literal e totalmente branca. Na verdade, o único ponto colorido ali era um quadro do Romero Brito pendurado em uma parede - branca.

A sala estava silenciosa e eu conseguia escutar a minha respiração descompassada.
Já fazia cerca de dez minutos que eu estava sentado ali, encarando o único resquício de cores daquele lugar.

Vi a porta ser aberta e por ela passar a doutora Débora, seus cabelos loiros estavam presos num rabo de cavalo e, como de costume, usava seu uniforme branco.

Sentou-se na cadeira em frente a minha:

- Desculpa a demora, eu estava pegando seus papéis - ela diz enquanto pegava o mesmo caderno que costumava usar em todas as nossas consultas.

Eu não disse nada, apenas segui encarando o quadro, posicionado em um ponto acima de sua cabeça.

- Como foi sua semana? - questionou.

- Digamos que agitada - respondi
simples.

- Quer me contar o que aconteceu? - arqueou a sobrancelha.

- Ethan voltou - digo encarando o chão.

- E vocês se acertaram? - perguntou enquanto anotava algo em seu caderno.

- Sim.

- Ah, que ótimo - forçou um sorriso.

- Noite passada eu tive aquele sonho de novo - senti um nó árduo se formar em minha garganta.

- Qual deles? - deixou o caderno de anotações de lado e olhou no fundo dos meus olhos.

- Da ponte... mas dessa vez eu terminava o que não tive coragem de fazer - deixei uma lágrima escorrer.

- Isso pode ser bom - ela me diz, pegando uma caixa de lenço que estava em cima da mesa e me entregando.

- Bom? - questionei incrédulo - Como isso pode ser bom?

- Você se lembra o que me disse dias depois de tentar suicídio?

- Lembro vagamente - menti e então ela começou a passar as páginas de seu caderno para trás.

"Eu tinha uma visão romântica da morte: iria morrer, as pessoas sofreriam por minha falta e eu finalmente teria a atenção que venho implorando durante toda minha vida.
Porém, quando me encontrei diante aquela situação, olhando para a água corrente vinte metros abaixo de mim, percebi que eu não tenho ninguém que realmente se importa.
Iriam lamentar por um ou dois dias e aí eu seria esquecido de novo" - ela leu aquelas palavras com os olhos focados em seu caderno, não se deu o trabalho de me encarar durante a citação, fez de uma maneira simples e natural, como se aquilo não me machucasse profundamente.

As lágrimas corriam sem meu consentimento, não conseguia me controlar.

- Essas são as suas palavras - enfim desviou a atenção da escrita e olhou para mim - Você ter tido a coragem de pular quer dizer que você se sente importante agora.

- Tá me dizendo que eu posso me jogar daquela ponte por que finalmente alguém vai se importar? - disse perdendo a noção das palavras.

- Mas é claro que não! - se esforçou para manter o tom calmo - O que estou tentando dizer é que você não se sente mais sozinho certo?

- Acho que sim - limpei minhas lágrimas e respirei fundo para controlar os soluços presos em minha garganta.

Então penso em Ethan e a lembrança do dia mais feliz da minha mente veio a tona.

Era meu oitavo aniversário e eu estava me preparando para receber meus amigos na minha festa do Bob Esponja.

Minha minúscula casa estava incrivelmente amarela e eu vestia a mesma cor dos pés a cabeça.

Minha casa estava animadíssima. Mamãe e minhas tias estavam na cozinha fazendo o almoço, meu pai no quintal assando carne junto aos meus tios e meus primos estavam todos correndo pela casa e brincando no quintal.

Eu estava sentado na porta esperando Alison e Ethan, mas eles estavam atrasados.

Depois de muito demorarem, eles finalmente chegaram no jipe vermelho de sua mãe.

Corri para perto do carro e eles saíram, me dando um abraço duplo e os devidos parabéns.

Corremos para o quintal que estava incrivelmente bonito, a grama grande e verde por conta da chuva, cheirava terra molhada - esse é o cheiro da minha infância - e lá brincamos o dia todo.
Alison sempre acabava chorando por que ela gostava de ficar em meio aos meninos que eram brutos demais para ela.

Eu estava radiante, meu rosto doía de tanto sorrir.

No fim do dia cantamos parabéns. Dei o primeiro pedaço de bolo para Alison por ela tinha me implorando por isso o dia todo.

Na hora de desembrulhar os presentes, Ethan se deu conta de que não havia me entregado o dele ainda, então corremos para o jipe de sua mãe, onde ele havia deixado.

Entramos no carro e ele me dá um guarda-chuva vermelho que estava pendurado no banco de trás.

- Vermelho é a sua cor favorita, não é? - ele me pergunta com as bochechas no mesmo tom que o objeto.

Eu estava deslumbrado. Sempre quis um guarda-chuva vermelho já que na nossa cidade chovia muito e meus guardas-chuvas sempre eram azuis e das meninas vermelhos. Papai nunca me deixou ter um vermelho, mas dessa vez ele não iria ter como não deixar.

- Esse é o melhor presente que já ganhei - digo animado.

Me inclinei para dar um beijo na bochecha de Ethan, mas esse virou o rosto, fazendo nossos lábios se tocarem.

- Stephen? - diz a doutora Débora me despertando do transe.

- Ah, oi, desculpa. Estava com a cabeça em outro lugar.

- Pensando em que?

- No meu aniversário de oito anos - sorri bobo.

- E esse dia foi especial? ela questiona e então explico tudo para ela, até que a consulta acaba e eu marco a sessão da próxima semana.

Estava indo em direção da minha casa quando encontrei Max sentado em um
banco do parque, concentrado em sua leitura.

Me sentei ao seu lado:

- Oi - sorri - Tá fazendo o que?

- Lendo - ri baixo com a resposta óbvia - E você? - questiona, tirando os olhos das páginas e olhando para mim.

- Estava voltando para casa - respondi simples.

Max ficou parado, apenas me olhando sem dizer nada.

- O que foi? - pergunto meio sem jeito.

- Nada, é só que - ele pensa um pouco - Esquece - ele diz voltando a fitar seu livro.

- Não, pode falar - digo curioso.

- Não acho que agora seja o momento certo pra falar - ele diz me encarando.

- Falar o que? - pergunto com um mix de curiosidade e preocupação.

- Quando eu estiver 100% bem para falar isso, você vai saber.

- Não vai me dizer que tá afim de mim? - brinquei, mas no fundo, tinha a intenção de tirar dele qualquer esperança.

Ele sorriu.

- Não, não é isso - riu fraco - Eu sei que você namora e ama o Ethan. O que eu tenho a falar e um pouco mais sério, mas não se preocupe, não é coisa ruim - fechou o livro.

- Ok. Você sabe onde me achar. Agora preciso ir - disse me levantando.

- Vá com cuidado - ele disse e eu saí.

O Guarda Chuva VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora