A Bruxa do Mar.

82 14 14
                                    

Sentia-se fraca de lutar contra a pressão d'água, era quase impossível nadar de volta a segurança. Já perdera o tato nas extremidades de seu corpo, devido à temperatura congelante daquele local, que o sol não conseguia alcançar.

Toda sua magia era inútil ali, era um lugar hostil, muito mais selvagem do que qualquer outro em que já se aventurara. Não conseguia controlar as correntes, duvidava que pudesse se comunicar com qualquer dos estranhos animais ali existentes.

Seus poderes, alguns dos maiores culpados por toda rejeição sofrida. O motivo de ele ter se aproximado dela. Agora se mostravam inúteis.

O que a mantinha em movimento era sua raiva, sua determinação em vingar-se daquele que a traíra.

Suas mãos machucadas não conseguiram manter a firmeza, falhando em segurar a parede de pedra áspera em que se apoiava. Sentiu-se sendo tragada de volta ao fundo do abismo, quando, por instinto, um de seus tentáculos se prendeu a uma protuberância da rocha, as ventosas dando lhe segurança e impedindo sua queda.

Qual não era sua surpresa? Sempre desprezara seus tentáculos, que a tornavam estranha, incapaz de nadar graciosamente como as outras sereias. Agora eles salvavam sua vida.

Respirou fundo, sentindo-se revitalizada pela água congelante que encheu seus pulmões. Esforçando-se para controlar os apêndices, até então detestados, começou a usar seus tentáculos para enfrentar a pressão e, agarrando-se a pedra, retornar a segurança.

- Não se mexa muito, fique quietinha, tente não atrair muita atenção para você. - Dizia sua mãe, tentando inutilmente abaixar os fios rebeldes de seus cabelos brancos. - Lembre-se de não dizer nada, a menos que perguntem. Não faça seu pai passar vergonha!

As palavras da mãe ecoavam nas profundezas de sua mente. Ela tinha vergonha de sua aparência, tinha medo que descobrissem suas habilidades e então os isolassem da corte.

Seu pai era um bravo guerreiro, respeitado e admirado. Sua mãe era uma tradicional dama da corte. Nenhum dos dois entendia porque tinham sido amaldiçoados com uma filha como ela.

Não, sua mãe sabia muito bem. Por isso mesmo a odiava tanto. Porque enxergava nela o crime que cometera, porque sabia que todos a olhavam e sabiam o que sua mãe tinha feito. Ela era a prova irrefutável.

Durante muito tempo as palavras a machucaram, mas agora só serviam para alimentar sua fúria, que parecia queimar no fundo de seu estômago e espalhar um calor desagradável por todo seu tronco.

Pouco a pouco, percebia se tornar mais fácil controlar os tentáculos. Eles se prendiam com firmeza na superfície da rocha, eram fortes e a impulsionavam para cima.

- Posso jogar? - Ela devia ter pouco mais de 09 anos e só queria brincar com as outras crianças.

Viu as outras meninas a olharem e trocarem risinhos, mas fingiu ignorar.

Elas pararam de jogar a bola de algas entre si e Athena, a líder, aproximou-se. Tinha uma falsa expressão de pena, desmascarada pelo brilho de divertimento maldoso nos olhos azuis e o sorriso que falhava em conter.

-Oh, querida, veja bem... - Ela começou com sua voz de soprano, arrastada no que deveria soar como compaixão, mas era claramente deboche. - Eu certamente a-do-ra-ria deixá-la jogar, mas não seria muito justo, não é mesmo? Você seria uma vantagem injusta para o seu time... Com todos esses tentáculos.

As outras sereias soltaram risadinhas estridentes diante da desculpa, ao que Athena as olhou com falsa repreenda.

-Mas... Mas eu posso controlá-los! Eu os deixarei bem colados, como a cauda de vocês! Prometo! - Tentou argumentar, cruzando seus tentáculos de modo a simular uma cauda, as mãos unidas em súplica.

Desencontos.Onde histórias criam vida. Descubra agora