A Esposa do Dragão.

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Aproximou-se da cama com tranquilidade, o punho dourado da adaga em sua mão, quente e sólido, lhe dando estabilidade e segurança. Pensou que talvez devesse cantarolar enquanto fazia o curto trajeto da entrada do cômodo até seu alvo, louca, tal qual a descreviam nos cochichos pelo palácio, mas não tinha motivos para satisfazer o imaginário deles.

Analisou a figura deitada sobre a cama, o corpo forte, barba e cabelos bem parados, um membro da nobreza. Sabia que as pupilas cerradas escondiam olhos azuis claros, que sua voz era agradável e o meio sorriso brincalhão fazia as donzelas corarem. Um príncipe encantado.

Torceu os lábios com nojo, sentindo queimar no canto dos olhos as lágrimas de ódio. Ergueu o punhal usando as duas mãos, com fúria, e o afundou no peito largo. Uma. Duas. Três vezes.

Pego de surpresa, ele não conseguiu gritar, tão pouco teve forças para impedi-la, apenas encarou, aterrorizado, engasgando com o sangue que lhe enchia os pulmões.

O encarou de volta, diretamente, com os olhos frios, enquanto o sangue ensopava os lençóis brancos. Não havia felicidade ou prazer em fazer o que tinha feito. Fizera porque era necessário, porque não seria livre de outra forma.

Limpou a lâmina da adaga em um pedaço imaculado dos lençóis e então a fincou no travesseiro, ao lado do rosto do rei assassinado. Afundando até que apenas o punho em forma de dragão ficasse visível, os rubis vermelhos, que representavam os olhos, brilhando ardentes a luz das tochas, como o sangue que escorria.

- Esta feito. - Murmurou consigo mesma. Dando as costas para cena e retornando pelo mesmo caminho do qual viera.

Cinco anos antes, era levada pelos servos de seus pais em uma carruagem sem janelas, toda feita de ferro. Chorava, encolhida em um dos cantos, ainda incapaz de crer em seu destino.

"Seja forte" seu pai havia lhe dito como únicas palavras de despedida, enquanto a via ser levada pela ama para a carruagem. Não havia qualquer calor em suas palavras. Livrar-se da terceira filha, sem ter de despender um dote, era mais um alívio que qualquer outra coisa.

Sua mãe sequer aparecera, ocupada com os bordados do vestido de noiva de sua irmã mais velha, talvez.

Suas irmãs deviam estar ocupadas ajudando-a e seus irmãos ocupados com... Qualquer outra coisa.

Foram três dias de viagem, apenas com paradas curtas, para que os cavalos pudessem se alimentar e descansar, até que chegassem ao destino.

Pela pequena abertura lateral, viu a vegetação se tornar mais densa e o grande vulcão se aproximar.

Soube que havia chegado, quando percebeu que já não conseguia enxergar o topo.

Aos pés do vulcão, como se tivesse sido talhado na própria pedra, estava um enorme castelo, com duas torres laterais que se projetavam para fora da rocha e um enorme portal de ferro negro que precisaria de dezenas de homens para movê-lo.

Ouviu os soldados rapidamente desatrelarem os cavalos e então partirem. Deixando-a ali, trancada em seu cubículo de metal.

Aguardou apreensiva, encolhida em seu canto e olhando assustada pelo vão, até o sol se pôr.

Neste instante, o grande portal do castelo se abriu, e ela prendeu a respiração, sentindo um nó se formar em sua garganta ao ver um vulto negro sair pela abertura e seguir em sua direção.

Seu coração batia forte em seu peito, a pressão quase dolorosa em seus ouvidos, quando o ouviu puxar com força inumana a porta da carruagem, fazendo com que a luz invadisse aquele espaço pela primeira vez em dias.

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