Felizmente, cheguei a tempo. Desentrelacei as mãos de Mariana. Pedi-lhe que controlasse a respiração. Interagia com ela para que não desmaiasse. Em poucos minutos, apesar de com alguma preocupação, a situação estava controlada.
Tinha acabado de colocar Mariana na cama quando Rafael me telefonou. Rafael não tinha abandonado o local. Continuava parado no mesmo sítio, à espera que algo o tornasse útil. Algo como a necessidade de levar Mariana ao hospital, por exemplo. Perguntou se Mariana já se tinha acalmado. Respondi que sim e que Rafael poderia voltar e subir até à casa de Mariana.
Ele subiu. Retomámos o diálogo que tinha sido interrompido pelas chamadas de Mariana. O nome dela era Eva. Eva era o nome da rapariga por quem Rafael estava apaixonado. Eva, cuja origem provém do hebraíco Hawwá. Eva, que vivia no Jardim do Éden com Adão. Eva, que foi traída por uma serpente que a fez comer o fruto proíbido. Eva, que da mesma maneira que tirou Adão do paraíso, acabaria por tirar, inocentemente, Rafael da minha vida.
A conversa foi interrompida pelos infernais ruídos que Mariana fazia no quarto. Abri a porta, que estava encostada. Deparei-me com Mariana a tossir. A respirar com bastantes dificuldades.
Mariana tinha febre. Fui à cozinha. Abri uma gaveta do armário. Peguei num pano. Dobrei-o. Dirigi-me até à torneira. Molhei o pano e espremi-o para o lavatório. A cor azul do pano escurecia à medida que este ficava cada vez mais molhado. Depois, coloquei-o na cabeça de Mariana. Quando era mais novo, a sensação fria que eu sentia na minha testa no momento em que metia o pano por cima da mesma, geralmente, reduzia a minha temperatura corporal. Hoje, quase maior de idade, o mesmo ainda acontecia.
Acabei por adormecer com Mariana. Quando acordei e fui até à sala, tinha um bilhete de Rafael com a morada da sua nova casa. Rafael ia viver para uma aldeia em Beja, isolado de praticamente tudo e todos.
Saí de casa para tentar falar com Rafael, pessoalmente, antes de ele ir para o Alentejo. Pelo caminho, distraía-me com as pessoas que passavam pela rua. Olhava em volta. Porque tudo começa com algo. Um marido raivoso que partiu uma vassoura e obrigou a mulher a ir comprar uma nova. Uma asmática que, de certa forma, obrigou o irmão a deslocar-se até à farmácia para comprar uma bomba nova. Um cão que roeu os sapatos do dono e que o irritou ao ponto de este ter de sair de casa para espairecer.
Chegava a casa de Rafael. O seu carro não estava estacionado. Os estores estavam fechados. Presumi que tinha chegado tarde e que Rafael já se tinha ido embora. Voltei para trás. Mais uma vez, pelo caminho, observava os movimentos da população. Agora, via uma mulher que gritava com o filho, em plena rua, em frente a um café. Nesse café, estava Rafael. Sozinho e na parte mais longínqua do estabelecimento, como da última vez.
Fui cumprimentá-lo. Segundo Rafael, estava à espera de Eva para partir, mas esta estava atrasada. Perguntei se ele queria companhia, mas ele recusou. Restou-me a mim, então, despedir-me, com um abraço. Um abraço acompanhado de um par de lágrimas que, calmamente, me escorriam pela cara.
Abandonava aquele café com um sentimento de orgulho por Rafael se estar a sair bem na vida. Abandonava aquele café com um sentimento de tristeza por, durante algum tempo, não poder ver o meu melhor amigo.
Aproximava-se a hora de almoço. A minha barriga manifestava-se. Estava com fome. Liguei à Mariana. Perguntei-lhe se queria ir almoçar fora. Ela disse-me que continuava com dores de cabeça, então, rapidamente, passei pelo supermercado, comprei algo de rápida preparação e apressei o passo para ir tomar conta da minha namorada.
39º. A testa de Mariana fervia. Prometi a mim mesmo que, se Mariana não melhorasse até ao final do dia, iria levá-la até ao hospital.
Liguei a frigideira. Fritei dois bifes e algumas batatas. Tinham bom aspeto. Coloquei metade num prato para Mariana e levei o mesmo ao quarto dela.
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Um Romance a Três
RomanceUm romance cujo número de personagens aumenta a cada capítulo juntamente com a, ação.