Capítulo 7

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Um festival de cartuchos era transmitido por todo o país através dos jornalistas que se encontravam no local. As malas dos malfeitores, além de dinheiro, tinham munições que pareciam chegar para passarem a noite a largar pólvora pelo chão. As mulheres, que tinham passado horas a insultar os sequestradores, fugiam, a correr, com medo de serem apanhadas por alguma bala. A necessidade de trocarem de carregadores obrigava as forças policiais a esconderem-se atrás dos seus carros. Os assaltantes, aproveitavam as poucas frações de segundo que tinham para recuarem em direção ao banco. Em poucos minutos, estavam novamente lá fechados, escondidos atrás de algumas secretárias.

Rafael tentava acompanhar visualmente os movimentos do pai à medida que este se esforçava para arranjar uma forma de entrar no banco sem ser atingido. Victor, já com as costas apoiadas numa parede, estalou os ossos das mãos, um de cada vez, e, como que à velocidade da luz, entrou no banco e começou a disparar. Em 7 segundos, dois dos assaltantes estavam mortos, assim como Victor. Um tiro no peito tinha ditado o fim da vida do progenitor de Rafael que, corajosamente, tinha entrado naquele edifício sozinho.

Rafael ajoelhava-se, em lágrimas, pela morte do pai. Mariana rapidamente veio ter comigo para o consolar. Os paramédicos tentavam, incessante e inultimente, colocar o coração de Victor novamente a bombear sangue.

Foi apenas uma questão de tempo até o único assaltante sobrevivente se entregar. Dentro da sala de interrogatórios, contou que o grupo tinha planeado outros dois assaltos, ambos em zonas diferentes, com poucos dias de distância. Eram experientes. O número de assaltos que estes tinham realizado fazia de Victor, por ter acabado com maior parte do gangue, um herói.

Passavam 3 horas do tiro fatal que atingiu Victor. Depois de mim e de Mariana, era a vez de Rafael prestar depoimento. Não esteve lá muito tempo. Talvez porque o seu estado não lhe permitia falar. A sua cara estava tão encarnada que, caso Rafael não tivesse lágrimas a escorrerem-lhe pelos olhos, eu brincaria com ele, dizendo que parecia um tomate.

Dormimos na esquadra. Enquanto Mariana dormia tranquilamente, Rafael acordava constantemente com pesadelos e, mesmo enquanto dormia, chamava pelo pai. Como consequência, quem menos dormiu fui eu.

De manhã, bastante cedo, voltámos a casa. Pelo caminho, passávamos por quiosques, cafés, praças. Nas manchetes dos jornais, estava estampada a cara de Victor. Pela rua, ouviam-se idosos a falar da dimensão do assalto. Nenhuma das pessoas que falava criticava Victor. Este, era um ídolo, não só para a população da região, como para todo o país que tinha visto em direto o desfecho do assalto.

Rafael fartou-se. Fartou-se não pela maneira como falavam do pai, mas sim pelo facto de o assunto nacional ser o mesmo. Um sentimento de raiva pelo facto de este se ter sacrificado crescia dentro da cabeça de Rafael. Um sentimento que não poderia ser aliviado, pelo menos tão cedo. Quando estávamos a chegar a casa, deixou-nos. Deu a desculpa de ter algo combinado. A princípio, nem eu nem Mariana acreditámos. Tínhamos de comprovar com os nossos próprios olhos.

E foi o que fizemos. Assim que reparámos que Rafael já não nos via, começámos a andar atrás dele. Para ter a certeza que este dizia a verdade. Durante cerca de vinte minutos, Rafael andava às voltas, tirava o telemóvel do bolso, voltava a metê-lo no mesmo e tirava-o novamente. Marcava alguns digitos que nem eu nem Mariana conseguíamos ver. Colocava o telemóvel no ouvido, abria a boca para deixar algumas palavras com a pessoa com quem falava do outro lado da linha e, mais uma vez, o bolso retornava a ser o destino do aparelho. Parecia estar com pressa. Eu e Mariana estávamos entediados, mas a nossa curiosidade fazia-nos continuar escondidos.

Começava a ficar tarde quando chegou uma rapariga. Alta, olhos azuis, com cabelos lisos e de cor acastanhada. Precisamente o género de mulher que Rafael apreciava. Cumprimentou-o com um beijo na bochecha e, de mão dada, passaram pelos arbustos onde eu e Mariana estavámos escondidos. Seguimo---los durante alguns minutos, porém a fome de Mariana fez-nos parar e, assim, perder o rasto de Rafael e da sua acompanhante.

A refeição valeu a pena. Aproveitámos o facto de ser tarde para passear pela zona ribeirinha e observar a beleza e a serenidade que a água transmitia. Estávamos então a meio de um passeio romântico que só seria interrompido por um ruído feito por um sem abrigo que procurava uma árvore onde pudesse pernoitar. Mariana, bondosa como era, ajudou o sem abrigo, que estava faminto, dirigindo-se ao café mais próximo para lhe comprar algo com que este pudesse tomar uma refeição.

Com o passeio interrompido, decidimos voltar a casa. Pelo caminho, começou a chover e eu, que vi que Mariana apenas tinha vestida uma t-shirt, coloquei o meu casaco sobre a cabeça dela para que Mariana não se molhasse.

Chegávamos a casa, com as calças encharcadas. Rapidamente as pusemos na máquina de lavar e vestimos os nossos pijamas. Retornávamos à cozinha para terminar a nossa busca que tinha ficado inacabada devido ao assalto ocorrido no banco. A nossa energia era tanta que nem quinze minutos passavam e já tínhamos conseguido inserir as chaves certas nas fechaduras.

Sentia um certo nervosismo. Não sabia o que estava naquele móvel e tinha receio que fosse algo perigoso. Mariana depressa acabou com o meu receio. Rodou as chaves e abriu o móvel. Lá dentro, estava uma carta. Outra carta, que nos iria infernizar a vida. Tinha uma planta, mas, desta vez, uma planta que em nada tinha a ver com a casa de Mariana. Parecia um convite a uma caça ao tesouro, porém, o facto de o papel estar rasgado ao meio impedia-nos de investigar o que quer que fosse.

Um telemóvel tocava. Era o meu telemóvel. Rafael ligava-me para perguntar a que horas eu poderia ir ter com ele. Eu, disse que em vinte minutos estaria pronto e que bastava receber a morada que, em pouco tempo, aparecia na mesma. Mariana, curiosa, perguntou-me o que se passava. Respondi que Rafael precisava de falar comigo e que, visto que este não me tinha dado informações, Mariana teria de ficar em casa.

Em dezoito minutos, tomei banho, lavei os dentes e vesti-me. Olhava para a morada que Rafael me tinha enviado e chegava à conclusão que a única forma de aparecer no local em tão pouco tempo era se pedisse boleia a alguém.

O táxi apareceu em cinco minutos. Dei-lhe a morada e, dado que não havia qualquer carro a passar na estrada, não demorei muito a chegar à mesma. Saído do táxi, telefonei a Rafael para perguntar onde ele estava. Pediu-me para ir ter com ele a um café que ficava no fim da rua.

Lá estava ele. Sozinho. Sentado na última mesa. A beber algo quente. Era café. Da chávena, saía fumo que se alastrava até ao teto. Aproximei-me. Rafael, levantou-se e veio ter comigo para me cumprimentar. Expressou um sorriso de orelha a orelha que mostrou a felicidade que este tinha em me ver. Contava, feliz, que tinha encontrado alguém que o fazia esquecer-se dos seus problemas. Alguém que o fazia esquecer-se da efemeridade da vida. Durante vinte minutos, enquanto estávamos sentados naquelas duras cadeiras, Rafael contava-me o quão apaixonado estava.

À saída, quando peguei no telemóvel para chamar um táxi, reparei que tinha três chamadas não atendidas de Mariana. Tentava ligar de volta, mas ela não atendia. Mandava mensagens, mas Mariana não respondia. Algo se passava. Rafael, que já tinha tirado a carta, foi a correr até ao local onde tinha o seu carro estacionado e levou-me de imediato.

O trânsito estava infernal. As coisas más pareciam querer acontecer todas ao mesmo tempo. Num percurso que deveria ser rápido, demorei o dobro do tempo que demoraria caso não houvesse trânsito. Tudo isto porque um condutor, que, por estar a falar ao telemóvel, tinha parado no meio da estrada.

Chegava à minha rua. Não havia qualquer barulho. Os postes de iluminação acendiam e apagavam. Parecia estar num filme de terror, momentos antes do assassino aparecer à minha frente para pôr fim à minha vida.

Fui a correr para casa. Abri a porta. As minhas mãos tremiam, ao mesmo tempo que os meus dentes batiam devido à baixa temperatura que se fazia sentir àquela hora. Na sala, a televisão estava acesa. Não foi preciso andar muito para encontrar o telemóvel de Mariana caído no chão com as minhas chamadas não atendidas e as mensagens por ver. Os quartos estavam vazios, assim como a cozinha.

Restava a casa de banho. Mal desencostei a porta, senti o cheiro do meu perfume. Estava espalhado pelo chão, juntamente com o recipiente que o guardava. Mariana, estava sentada num canto, ao lado da sanita. A sua respiração estava acelerada. A sua cabeça andava às voltas. As suas mãos não se mexiam. As suas pernas, também não. Mariana estava a ter um ataque de ansiedade.

Um Romance a TrêsOnde histórias criam vida. Descubra agora