Rebecca:
Desde que eu era pequena, meu avô me incentivou a colocar meus sentimentos para fora. Porém, para alguém com pouquíssima confiança em si, eu nunca segui à risca esse conselho.
Não até agora.
Enquanto encaro essa folha que começa a ganhar vida com a minha escrita, tento não pensar que esse caderninho é um diário. Alguém com 21 anos não deveria estar colocando seus pensamentos em algum caderninho e sim, deveria estar expondo-os. Deveria estar gritando para o mundo. Deveria estar vivendo.
Não que eu não esteja aproveitando minha vida, afinal, tenho 21 anos, não estou morta. Só que a questão é que não sou como essas pessoas que conseguem expor tudo que estão sentindo. Eu prefiro esconder por medo da rejeição.
É ridículo, eu sei. Mas é o que acontece quando você passa por um trauma e decide não perder mais ninguém. Você se fecha, escondendo seus sentimentos e seus pensamentos. Você omite uma parte de você. Eu sei que isso não é nenhum pouco legal, mas estar finalmente escrevendo sobre o que penso já é um passo para que isso possa mudar, não é mesmo?
O relógio do meu celular indica nove horas da noite, me alertando que deveria ir dormir para não acordar como uma zumbi no dia seguinte mas não consigo tirar o motivo de eu estar escrevendo da minha cabeça. Repasso o dia de hoje várias e várias vezes e não consigo evitar o calor que sinto ao lembrar daqueles olhos azuis.
Quando acordei pela manhã, meu avô já estava tomando café e me recebeu com seu sorriso doce de sempre. Eu sabia que ele tinha algo a perguntar só pelo fato de estar me encarando enquanto eu colocava café na minha xícara.
"Animada para voltar a faculdade?" Perguntou após não conseguir se conter mais.
"Animada não seria a palavra certa." Respondi rindo. "Mas é, digamos que estou."
"Benjamin ainda está viajando ou já voltou?" Perguntou ele com um sorriso maroto no rosto.
Tentei não corar diante dos olhares acusatórios do meu avô. Às vezes, desconfiava que ele sabia tudo que se passava na minha cabeça e no meu coração. Antes de correr para cozinha, tudo que eu pensava era em Ben, em seus cabelos dourados e em seu sorriso que me aquecia de dentro para fora toda vez que eu olhava para ele. Minha ansiedade de vê-lo aumentava a cada peça de roupa que eu vestia após sair do banho. Já fazia semanas que não nos víamos graças a sua viagem em família para a Austrália. Nesse período, trocamos mensagens e compartilhamos fotos do que estávamos fazendo um com o outro. Mas nada disso diminuía a saudade que eu sentia do meu melhor amigo ao meu lado.
"Ele voltou ontem à noite." Respondi tomando um gole do café. "Provavelmente, não vai perder a oportunidade de conhecer as calouras no primeiro dia."
"Ou provavelmente não vai perder a oportunidade de te ver." Rebateu vovô, sagaz como sempre.
Ignorei seu comentário por falta de coragem para entrar naquele assunto e percebo agora que eu deveria não deveria ter deixado passar. Deveria ter colocado em prática o que ele me pede há tantos anos.
Ocupada comendo meus biscoitos, quase deixei a mensagem que havia chegado no meu celular, passar em branco.
"Estamos aqui na frente, venha."
"Minha carona está aqui na frente vovô, tenho que ir." Levanto-me rapidamente e lavo minha xícara e meu prato, pegando minha mochila e dando um beijo na testa dele. "Até mais tarde."
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Nunca pensei que fosse você
RomanceDesde que eu era pequena, meu avô me incentivou a colocar meus sentimentos para fora. Porém, para alguém com pouquíssima confiança em si, eu nunca segui à risca esse conselho. Não até agora.