Pele de Cordeiro

Capítulo Um

Um cão andarilho sofria com as patas no chão de terra batida, aquecida pelo sol escaldante. O vento do deserto, ao contrário do esperado, faria arder em brasa a pele de qualquer passante. Na ausência destes, contudo, apenas balançava a alavanca de uma bica que parecia seca e abandonada. As portas duplas dos estabelecimentos comerciais também dançavam a música da ventania, assim como as cortinas das poucas casas. Não havia árvores soltando folhas devido a força do vendaval. E nem pássaros cujo voo pudesse ser perturbado. Os pássaros desse cenário desolado, mantinham suas asas cobertas de penas negras, fechadas, e o corpo empoleirado nas cercas, esperando por um animal que tombasse. Aquele cão andarilho, talvez.Apesar de parecer abandonada, Garnervillle apenas aproveitava o momento da sesta pós-almoço num típico dia de verão ao sul. Mais para um entreposto que para uma cidade, o aglomerado de casas e alguns pontos comerciais praticamente não conhecia a agitação do tão falado far west. Praticamente, porque naquele instante alguém quebrava o silêncio das ruas estreitas. Era o xerife Nash. Magro ao ponto de se esturricar, cabelo grisalho, olhar grave, cigarro de palha entre os dentes quase marrons. Caminhava com firmeza e audácia exageradas para tão pacata cidade. Trazia de seu escritório, sala que dividia com a agência dos correios, um cartaz de recompensa.

Rose Hearsay afastou as cortinas de seu quarto sobre o saloon e forçou os olhos tentando enxergar o retrato ou o nome do bandido no cartaz. Mas o esforço foi em vão. Calçou os sapatos, prendeu os cabelos, passou batom, um pouco de pó de arroz – muito pálida, rouge – agora muito corada! Estendeu a mão para o pó de arroz novamente, mas deteve-se e tirou um pouco de rouge usando a echarpe de plumas. Perfeito. Ajeitou o vestido, passou um pouco de um de seus perfumes baratos e desceu para a rua. No caminho, acabou acordando Tobias "Toby" Westwood, dono e único garçom do saloon, Berenice Armist, a copeira e os dois bêbados vagabundos de Garnerville: Lil Bill e Theodore Brown. Toby e Berenice saltaram de suas cadeiras com as passadas firmes e sonoras de Rose, Bill e Theodore, por sua vez, ergueram as cabeças da mesa com os olhos ainda pesados e as mentes muito confusas. Como se tivessem combinado, os quatro se levantaram e puseram-se a seguir a mulher; algo muito extraordinário estava para acontecer, Rose nunca deixava o saloon enquanto houvesse luz do sol. E de fato havia algo de extraordinário, mas estava nas mãos do xerife.

- Christopher Dennehy, conhecido como Christopher, o falsário. Procurado por vender minas de ouro falsas, forjar assinaturas em documentos e assassinar 3 mulheres nos estados do Texas e Arizona. Vivo ou morto. Recompensa: 3 mil dólares. Três mil dólares? A vida de 3 mulheres vale apenas 3 mil dólares?!

- Senhorita Hearsay... – Nash virava-se lentamente na direção dos gritos. – Eu sou apenas o homem que trabalha pelo cumprimento da lei...
- Pois saiba que se ele tivesse matado algum homem...
- Se ele tivesse matado algum homem, a recompensa seria a mesma. Não faz parte de nenhum bando e não tem fama alguma. A senhorita alguma vez já tinha ouvido falar em Christopher, o falsário?

- Bem... não. E por que está pendurando este cartaz na entrada da cidade? Nunca temos cartazes de recompensa em Garnerville.- Chegou ontem no malote do correio, com uma carta dizendo que pode estar pelas redondezas.- Mas não temos nenhum caçador de recompensas na cidade, ou nas redondezas.- Pensei que nosso amigo poderia se interessar, caso aparecesse por essas bandas nos próximos dias.- Nosso amigo?- Aquele que a senhorita pensou que estivesse desenhado no cartaz.- Oh!- A senhorita pensou que finalmente estivesse com a cabeça a prêmio...- Ellsworth! – gritou em coro a dupla de bêbados vagabundos.- Este é o meu nome. – parado a poucos metros do portal da cidade, um homem queimado de sol segurava um cavalo pelas rédeas. – Clint Wild Ellsworth, – inclinou-se, puxando a aba do chapéu – às ordens da cidade de Garnerville.

Ao contrário do que se possa imaginar, o pequeno grupo formado pelas pessoas mais conhecidas da cidade animou-se ao reencontrar Ellsworth. Era um andarilho e nenhum deles sabia ao certo o que fazia para viver. Todos haviam assumido tempos atrás que era algum tipo de fora da lei. Talvez até mesmo vindo do Norte.