Álcool no fígado e fumaça no pulmão

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As aulas obrigatórias passaram rápido. O relógio marcava agora 10am, o horário vago para os clubes e atividades artísticas. E como eu entrei no grupo do teatro, eu precisava encontrar Amy e os demais no auditório...

Desci todas as escadas, virei todos os corredores e segui todas as instruções que Amy havia me instruído.

Cheguei no auditório em silêncio. Tudo estava escuro. De repente um holofote acende no meio do palco, uma moça média, de cabelos médios e loiros com um lado da cabeça raspado começa atuando as sensações do que parecia um declamar de poema... seu olhar é caído, cabeça baixa e punhos cerrados, com força... o poema dizia:

*Tenho andado trêmulo nesses dias. Não sei se pelo excesso de álcool no fígado, ou se pelo excesso de fumaça no pulmão. Ou se pelo calor infernal que anda fazendo no meu coração.
Comprei uma daquelas maquininhas que giram, pra quem sabe ventilar a minha dor. Ferida de amar é igual queimadura, precisa respirar.
Tá tudo meio instável aqui dentro, mas comigo foi sempre assim, né vozinha? Sempre fui meio doido, meio doído, viciado em sorriso comprido, viciado em tomar comprimido.
Como que tá o vô? E o voo, como que tá?
Escrevo mesmo é pra dizer que tô apaixonado em São João. Aquele santo que gosta de festa, que abraça carneiro, que sabe que nas fresta que mora sentimento baderneiro.
Amor é bagunça, né vó? É tipo o quartinho de costura da senhora, cheio de retalho [de amores antigos], cheio de agulhas [que doem mas fincam], cheio de linhas [pra alinhar esse trem desordenado que é o amor].
Fiz chá de funcho. Lembrei docês. Das tardes no alpendre, da desordem na horta.
Eu, vózinha, aprendi cocê e co vô e co Drummond que, amor que batuca é o que bate na aorta. E aqui, meus véim, tá uma congada que só vendo.
Agora, me diz ocês, o que é tempo perto de sentimento?*

O poema era de Lucas Veiga. Observei cada balbuciar de palavras que saia de sua boca e ecoava naquele teatro. Era de imensa delicadeza cada gesto que imitava sensações do poema. Era poesia só de olhar a arte do atuar.

Ao fim da poesia as luzes se apagaram, perdidos no breu por o que pareceu 3 minutos. Pra qualquer um, poderia ser algum problema técnico, nas eu entendia aquele breu, era um tempo para que pudéssemos digerir todos os sentimentos daquele poema. E assim foi feito...

As luzes começaram a se acender devagar, até que pude enxergar Amy. Todos parabenizaram a moça quem declamou o poema. Amy me apresentou formalmente a todos.

Resolvi também parabenizar a moça, pela apresentação incrível e de extrema delicadeza. Me aproximei...

- Olá, eu cheguei a tempo de ver tudo, e foi incrível, meus parabéns. Foi tudo com uma delicadeza imensurável.
- Oii, Obrigada! Fico feliz que tenha gostado. Você deve ser Lia, a nova integrante do grupo, né?
- Sim! E você é...
- Meu nome é Hayley
- Muito prazer, e de novo, meus parabéns...
- Agora é a sua vez
- Como assim? Mas já?
- Vamos pegar leve com você, amanhã você prepara algo pra nós, qualquer coisa mesmo, se quiser dançar, cantar, ler... tudo que quiser...
- Tudo bem...

Fizemos uma roda! Amy me disse que era uma tradição do grupo sempre quando alguém novo entrava. Todos sentamos no palco, cada um levantava e dizia um pouco sobre si...
  

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