Capítulo 02 - Eleniris

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O meu nome é Eleniris, e a coisa mais interessante que aconteceu na minha vida até meus 24 anos  foi meu nome, uma junção pouco ortodoxa e elegante do nome da minha mãe, Iris, com o nome da sogra dela, Helena e, sim, elas se dão maravilhosamente bem. Considerando que não lembro como foi ganhar esse nome, todas as minhas lembranças ultimamente me parecem opacas e  sem graça - isso, estou saindo de uma fase péssima.

Aos treze anos conheci Glauber, meu namorado, aquele que tinha tudo para ser o amor da minha vida. Com Glauber dei o primeiro beijo, tive a primeira transa... Glauber foi o primeiro cara que me levou ao cinema, me deu flores, bombons, ursinho de pelúcia do Paraguai que dizia "te quiero!" em um tom nada romântico... Ah, ia esquecendo: ele me deu meu primeiro par de chifres, também.  Então minha visão de mundo não anda muito romântica, ultimamente.

Não, eu não sou muito bonita. Pelo menos, na balada, os caras que me chamam de bonita nunca estão sóbrios, o que deve significar alguma coisa. Eu sou branca do tipo pálida, cabelo ruivo indomável, cara cheia de sardas que dão a impressão que eu tenho algum sério problema de pele. De roupa curta, pareço exibida; de roupa folgada, fico baranga mesmo. Meu cabelo solto, parece uma peruca;  preso, parece um cosplay de algum personagem de anime ridículo e gratamente desconhecido.

Eu sou a amiga gordinha e engraçada que toda menina bonita tem, aquela pra quem todo mundo liga pra contar que ta namorando, que vai casar, que tá grávida de trigêmeos, mas que nunca tem nada dessas coisas pra contar pros outros.

Claro que eu tenho algumas qualidades. Primeiro, sou uma pessoa legal. Sou aquela pessoa com quem você pode contar 24 horas por dia, 7 dias por  semana, e tudo bem se você for um chato: nós, chatos, temos um código de ética que inclui tolerância sem limites.

Outra coisa legal sobre mim é que sou discreta. Você pode me contar os segredos da sua vida e dormir em paz depois, sem precisar pensar em assassinato  para garantir sua privacidade.

Mas essas coisas não costumam ser apreciadas. Minhas amigas da escola sempre me deixavam de lado quando uma garota mais bonita e mais popular se aproximava, e quanto aos amigos homens... Desculpe, passei a metade da minha vida com um único e sendo cem por cento fiel, de modo que não tenho amigos do sexo masculino  para compor uma estatística de comportamento.

Mas eu costumava ser feliz. Juro, é sério! Aos 13 comecei a namorar o Glauber, aos 18 comecei a trabalhar numa loja de cosméticos perto daqui de casa e entrei pra faculdade de pedagogia - ah, sim, eu adoro crianças, o que é meio óbvio, né? Aos 24 tinha a mesma vida que tinha aos 18, com a diferença que agora era concursada, não estudante, isso até o Glauber me trair e eu descobrir.

"Isso é sobre mim, não é culpa sua!" - Disse, todo sério, enquanto eu, aos berros, exigia uma explicação. Não sei se pra você essa explicação serviu, porque, pra mim, não explicou nada.

        Então eu me senti a última bolacha do pacote - não aquela que todo mundo quer, mas aquela toda esmigalhada que vai poluir a natureza, junto com a embalagem amassada, até que... Não houve nenhum "até que", por enquanto. Na verdade, houve sim... Uma pequena lista de pequenos imprevistos meio bobos que acabaram me fazendo sair da foça e passar para o vaso entupido, se é que me entendem.

Primeiro, um gato grudou em mim. Isso aí, um gato, desses que têm unhas grandes, olhos verdes e fazem "miau" - é, você pensou que fosse do outro tipo, né?

Então, esse gato grudou em mim. Eu nunca gostei de gatos e, naquela época, não gostava muito de praticamente nada, exceto das crianças da minha turma, mas, bem, aquele gato grudou em mim, e eu andava tão pra baixo, que achei normal adotar um gato, mesmo não gostando de gatos.

Ele passou a me acompanhar pra tudo que era lado, parecendo um cachorro. Ok, não era sempre assim, nem tão literal, mas faz bem pra minha auto-estima dizer que pelo menos um gato sentia necessidade extrema da minha companhia.

A outra coisa inesperada que aconteceu e  mudou minha vida, foi a Maria Eduarda e, não, Maria Eduarda não é um outro pet que arranjei, mas uma menina, uma aluna que entrou na minha turma no meio do ano.

O que tem Maria Eduarda? Nada, exceto que gosta de mim. Muito. Todo dia me traz alguma coisa: um desenho amassado, uma bala meio chupada que ela pensou que eu pudesse gostar, um pedaço de bolo, um laço de cabelo... E, quando não traz nada, sempre traz ela mesma: um sorriso, um beijo, um abraço. Lembra de dizer que meus brincos são lindos - andei variando, só pra ver a opinião dela - que meu perfume é cheiroso, que meu cabelo é macio, que eu sou a melhor professora que ela já teve - considerando que ela só tem quatro anos, eu não deveria me comover muito com esse elogio, mas me comovo, mesmo assim.

Em troca... Ok, pela minha posição, não pode haver muita troca, afinal, tudo que fizer por ela, tenho que fazer para os outros 35, mas  justamente o fato de não lhe dar um retorno óbvio, faz com que me sinta tão grata por tudo que ela faz, que não é nada a não ser ser ela mesma. Para Maria Eduarda, "o mundo é bão Sebastião", e acredita tanto nisso, que está quase me convencendo.

Então, no último ano, perdi meu amor e ganhei um gato e uma aluna que gostam de mim. Não é muito, eu sei; não apaga a dor de ter sido traída, mas pelo menos me mostrou que a vida tem sentido, que eu tenho motivos para levantar todos os dias - não que seja fácil continuar dormindo com um gato miando por ração, mas você  entendeu o sentido metafórico

Hoje é sábado, por isso estranhei quando meu celular tocou no meio da manhã.

- Eleniris, Carla Andrea está com problemas na gravidez e entrou de licença. Pensei se você poderia substitui-la nas aulas de Informática do Infantil, afinal, é sua turma mesmo...

- Espera aí, você quer que eu substitua a Carla...

- Claro que você receberia por isso.

Quais são suas chances de escapar quando a diretora da sua escola te liga numa manhã de´sábado?

- As crianças já estão acostumadas com você, sria tão mais fácil... O que você acha, Duda?

- Eu não sei  Informática.

- Duda, é para crianças de   três e quatro anos. Você não vai ter que fazer tudo quue ela fazia, só as aulas.

        - Ok, tudo bem, eu faço.

        Eu jamais poderia saber que aquilo mudaria minha vida.

        

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⏰ Última atualização: May 30, 2014 ⏰

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