Meus olhos marejaram ao observar o Rio Sena de cima da Pont Des Arts.
Voltar a Paris depois de alguns anos, e sozinha, fez meu peito doer. Ah, se eu pudesse voltar no tempo... principalmente agora com a eminência dessa maldita doença.
Todo mundo fala o que faria se pudesse voltar no tempo, outros dizem que não mudariam nada, outros queriam mudar uma parte ruim da vida, outros mais realistas apenas dizem que são o que são hoje por causa dos acontecimentos do passado.
Eu? Ah, eu não sei o que eu faria de fato, se mudaria tudo ou não, mas uma coisa eu sei, de todas as coisas que eu não faria seria tê-la deixado ir. Foi um erro tão grande, irreversível, que se eu pudesse voltar no tempo faria diferente apenas nessa parte, a que nos separamos por causa da minha fraqueza.
Abri o livro escrito a mão por minha fiel amiga, Lídia. Nos meus dias melhores eu cansei de contar essa história pra ela, que no auge do seu altruísmo escreveu. Vou contar antes que eu esqueça até quem é Lídia.
O ano era 1966, eu estava com vinte anos de idade, estudava e estava noiva de um rapaz muito bonito, que fora escolhido pelo meu pai. Eu não queria me casar, queria me formar em direito e advogar.
— Simone, você não precisa estudar tanto, logo estará casada, não precisará se preocupar com estudos, profissão; apenas com seu marido. — disse o meu pai todo orgulhoso quando o Abílio pediu a minha mão e me viu rodeada de livros.
Eu apenas sorri, não queria me indispor com o meu pai, mas queria concluir a faculdade de direito. Abílio era engenheiro, era exibido, disputado pelas jovens da cidade.
— Você é a mais linda de todas elas, eu a escolhi para ser a minha esposa, a mãe dos meus filhos. Eu a amo!
— Obrigada! — agradeci porque fiquei sem saber o que dizer, eu não o amava, nem o conhecia direito, tínhamos acabado de ser apresentados; como fala de amor dessa forma?
Deixar o meu pai feliz facilitava a minha vida, então tudo o que ele me pedia eu fazia. Era o preço da minha liberdade. A minha mãe acatava tudo o que ele falava. Então se houvesse algo de anormal e eu precisasse dela não teria, pois ela não se oporia à decisão dele.
Obedecendo ao meu pai eu podia me dedicar aos estudos, pedi que o casamento com Abílio não me impedisse de realizar o meu sonho e o meu pai, sentindo orgulho de mim, aceitou.
Todas as tardes eu ficava no campus da faculdade para estudar e revisar alguma matéria. Foi numa dessas tardes de estudo que conheci Marisa, a garota mais linda da face da terra.
Ela usava um laço de fita no cabelo cacheado, tinha a pele branca, bochechas rosadas, usava um vestido rodado. Sim, notei isso em poucos segundos de observação.
Todo dia eu contava as horas para vê-la, até que um dia ela me notou observando-a e veio à minha mesa.
— Oi... sou Marisa...
— O-oi... — gaguejei olhando-a se sentar ao meu lado.
— Eu notei que você sempre estuda sozinha, notei também que fazemos o mesmo curso, só estamos em turnos diferentes. E pensei, e se estudássemos juntas?
Ela tinha um cheiro doce, acho que era talco ou alguma água-de-colônia.
Passamos a estudar juntas, e eu sentia o meu coração acelerar todas as vezes que eu a via chegar.
Seu sorriso era lindo e ela sempre sorria quando me via, não sei se era pra retribuir ao meu, mas eu passei a viver em função daquele sorriso.
Um dia fomos estudar no parque, pois houve um problema na biblioteca da faculdade e ficou fechada naquele dia.
— Qual é seu maior sonho, Simone? — indagou, recolhendo os livros, avisando que pararíamos de estudar.
Confesso que fiquei surpresa com aquela pergunta, mas resolvi responder o meu segundo maior sonho:
— Eu quero me formar em direito e trabalhar! Defender pessoas. — respondi e ela me encarou, sorriu sem nem imaginar que o primeiro maior sonho da minha vida naquele momento era tomá-la nos braços e beijá-la, mas jamais falaria aquilo.
— Vamos tomar um sorvete, estou cansada de estudar. — sugeriu e recolhi os meus livros e fomos a sorveteria, compramos o sorvete e voltando para debaixo da árvore em que estávamos.
— Ótima ideia, Marisa! — disse tomando o meu sorvete. — Mas e o seu? Qual é o seu maior sonho?
— Quero conhecer Paris, sabia que lá é conhecida como a cidade mais romântica do mundo?
— Não sabia! — respondi colocando uma colher da iguaria na boca.
Ela passou o polegar no canto dos meus lábios e lambeu o dedo sorrindo.
— Estava sujo... — avisou, sorrindo e passei a mão no local. — Boba, já limpei.
Eu notei que estava parada olhando para ela. O que eu estava acontecendo comigo?
— O que foi? Tem algo de errado no meu rosto?
— Ahn? Ah, não... nada. — eu sorri e olhei a hora. — É, está na hora de irmos embora. — levantei do chão e peguei os meus livros.
Ela sempre ia comigo até a minha casa e depois ia para a dela. Eu não sabia onde ela morava, mas sempre fazia isso.
Quando ela me perguntou sobre a minha vida, eu perguntei sobre onde morava.
— Eu moro no final da rua. — respondeu sorrindo da cara que fiz quando descobri que ela morava tão perto e eu não sabia.
Depois daquele dia nossa amizade se estreitou e passamos a estudar com mais frequência e não só na biblioteca da faculdade, mas em nossas casas também.
Final de semestre, final de ano apertava um pouco e tínhamos que nos dedicar mais, então a chamei para estudarmos na minha casa para concluirmos um trabalho e ela aceitou.
— Você é comprometida, Marisa? — perguntou meu pai, na hora do jantar.
— Sim, estou noiva. — respondeu sorrindo e eu engasguei.
Como ela estava noiva e não me contou nada? Achei que fôssemos amigas. Minha mãe me deu água e tentei me recuperar daquela notícia.
Depois do jantar fomos para o quarto, Marisa foi muito educada com meus pais, eles gostavam dela, mas eu estava aborrecida.
— O que aconteceu? Por que essa cara?
— Nada, o quarto de hóspedes está pronto.
— Nada? Você está com essa cara de fuinha e diz que não houve nada?
— Por que não me disse que está noiva?
— Porque não estou, não quero me casar eu já te contei isso.
— Por que mentiu?
— Porque o seu pai iria me afastar de você, Simone. — explicou e tocou no meu rosto, eu senti um arrepio intenso e uma sensação de ardência no estomago. — Eu não quero ficar longe de você!
Eu me afastei ofegando, não sabia o que estava sentindo, mas me afastei.
Quando estávamos na cama já prontas para dormir, ela deitou ao meu lado e ficou me olhando de onde estava.
— É melhor você ir dormir, acordamos cedo e... — calei-me ao sentir sua respiração próxima ao meu rosto.
Estremeci ao sentir o seu hálito quente e fechei os olhos.
Meu corpo todo reagiu quando seus lábios tocaram os meus num beijo suave.
Quando eu senti sua língua invadir minha boca, eu a abracei com força conduzindo o beijo. O meu primeiro beijo de amor!
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Invisível Aos Olhos
Short StoryDiagnosticada com Alzheimer, Simone retorna a Paris para contar sua história antes que se esqueça completamente de tudo. Simone Queiroz era apenas uma estudante de direito quando se apaixonou por uma colega, mesmo estando noiva de um jovem escolhido...