III

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Olhei para aquele rio e seu nome me fugiu da memória, franzi o cenho e fechei os olhos, me concentrei para tentar lembrar seu nome, abri o livro novamente e também já não lembrava por que estava ali, até que senti a mão de Lídia no meu braço.

— Marisa! — Ela disse e acendeu uma luz na minha cabeça.

Em 1979 eu tive minha filha, depois de sair daquela depressão horrível que me assolou.

Josefine me trouxe um pouco de alegria, cuidei e eduquei como gostaria de ter sido cuidada.

Em 1989 Abílio adoeceu e três meses depois veio a falecer, eu pensei que não fosse conseguir cuidar da minha filha sozinha, mas Deus me perdoe, a morte de Abílio foi a melhor coisa que podia me acontecer.

Levantei o olhar para aquele rio, grossas lágrimas desceram por meu rosto, não queria que nada daquilo se apagasse, mas não havia para onde correr.

Respirei profundamente e abri outra página do caderno havia uma foto nossa, minha com Marisa. E eu me lembrava vagamente daquele dia, quando estivemos naquela ponte, naquela cidade, a cidade mais romântica do mundo.

Era o maior sonho da Marisa, conhecer Paris. Ela já falou logo que queria viajar para Paris quando nos encontramos de novo. Não podíamos perder tempo, não queríamos.

Eu fui às lágrimas vendo a minha filha dando à luz ao primeiro filho. Ela se casou e ficou morando comigo, disse que era para não me deixar sozinha, mas eu sabia que era porque não tinham casa própria.

Marisa me viu numa loja e foi como se eu fosse levada de volta para aqueles tempos em que nos amamos.

O rosto estava marcado pelo tempo, mas era o mesmo rosto, o mesmo sorriso, o mesmo olhar. Era a pessoa que eu aprendi a amar, que aprendi a viver sem mesmo amando mais que a mim.

Nós nos abraçamos, foi um abraço molhado de lágrimas, trinta anos de separação.

Amar a Marisa foi a melhor coisa que eu fiz na vida, foi o que me manteve viva.

Depois daquele dia ela não quis mais ficar longe de mim e eu voltei a ser feliz.

Josefine reagiu de uma forma horrível, fiquei muito magoada. Afinal de contas não a havia educado para agir daquele jeito, mas nunca conhecemos de verdade os nossos filhos.

— Isso não é normal, mamãe! Não é. A senhora devia se dar ao respeito e não, a essa altura da vida, fazer uma coisa dessas.

— Eu estou feliz, filha. Pela segunda vez na minha vida eu estou feliz e com a mesma pessoa!

— Você está é louca! Vou embora dessa casa, levar a minha filha para bem longe de você!

E assim, me sentindo um lixo hospitalar, eu me mudei para a casa da Marisa, jamais deixaria Josefine na rua com a família.

Quando me mudei para casa dela, foi como se eu estivesse saindo de uma gaiola.

Ela já propôs a viagem e preparamos tudo, viajamos logo.

Colocamos o nosso cadeado na ponte, ela anotou nossos nomes com uma caneta. Rimos iguais bobas.

Nossa felicidade no nosso segundo tempo, durou apenas 4 anos, pois depois desse tempo Marisa sentiu-se mal e foi diagnosticada com leucemia. Senti como se algo tivesse atingido minha cabeça ao ouvir aquela notícia horrível do médico.

Senti forte pressão no peito, na cabeça que achei que fosse morrer com o susto. Como aquilo era possível? Acabamos de nos reencontrar.

Mas eu precisava ser forte e seguir cuidando dela e com esperanças de que fosse curada.

— Vou acabar com essa maldita doença, amor. E vamos voltar a Paris, vamos colocar outro cadeado naquela ponte para firmar nosso amor também depois do sempre. — Ela disse me fazendo ir às lágrimas, eu notei sua dificuldade para falar, mas mantinha o sorriso de sempre no rosto; acho que ela sabia que aquele sorriso me dava força e combustível para seguir em frente, cuidando dela.

Beijei sua mão e fiquei ali até que dormisse. Apesar de sua grande força e otimismo, Marisa foi assolada pela pior doença do mundo.

As minhas poucas esperanças se esvaíram quando ela passou a não responder ao tratamento. Eu estava arrasada por vê-la tão abatida.

Lídia foi para minha casa mandada por uma agência de empregos, eu estava debilitada demais para continuar cuidando da minha esposa sozinha.

Adormeci, contra a vontade de Lídia, ao lado de Marisa, acordei com o toque e o sussurro da ajudante para que eu acordasse.

Dei um beijo em Marisa e notei que já não respirava mais.

Eu sabia que ela finalmente havia descansado, pois sofreu muito, mas ainda assim eu apertei contra meu peito e gritei como se quisesse fazê-la ouvir e acordar daquele sono eterno.

Gritei até ficar rouca e fui tranquilizada por alguém e não vi mais nada.

Minhas lágrimas molharam a grade da ponte naquele momento.

Perdê-la doeu, só eu sei o quanto doeu e o quanto ainda dói, mas sentir que ela sairia também da minha memória doía bem mais, era cruel.

Mas sua essência permaneceria em mim para sempre e não havia Alzheimer ou tempo que a tirasse de mim.    

Invisível Aos OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora