Capítulo 1

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Olga não sabia quem lhe fazia suar mais naquele momento: o sol quente que batia forte sobre a lataria do seu carro ou a raiva que sentia de Ernesto. Estava há duas horas observando fixamente a entrada de uma casa pequena num bairro afastado da periferia da cidade. A casa era branca, em cor de gelo, porém envelhecida, com as paredes sujas. O telhado era marrom-escuro, onde muitas folhas secas repousavam sem o incômodo do vento. Pareciam estar ali há muito tempo, assim como Olga. Pareciam secas e sem vida, assim como seu coração naquele momento.

Ernesto nunca havia dando sinais de que seria um marido desleal. Chegava em casa religiosamente às 18, todos os dias. Nunca se ausentou em finais de semana ou datas festivas, nunca chegava tarde em casa como os maridos de suas amigas. Agora tudo parecia fazer mais sentido e Olga era consumida por sentimentos destrutivos ao ver que o marido fazia tudo que podia com o sol quente. O rádio do carro já estava destroçado do lado de fora, atirado pela janela horas antes. Sua jaqueta era agora um amontoado de pequenos retalhos próximo à calçada. E nada de Ernesto sair.

A raiva parecia já ter tomado conta de todo o corpo, que tremia e suava. Seria a hora de entrar? Seria melhor continuar seguindo o marido e esperar nova oportunidade? Seria melhor voltar pra casa e desmascará-lo? O impulso foi maior que qualquer coisa e Olga num pontapé arrebentou a pequena grade que cercava a entrada, chegando na pequena casa como um furacão.O mesmo pontapé que havia arrebentado a grade da entrada agiu com mesma força para destruir a porta da sala. Marilda se aproximou apavorada, largando as panelas no fogão. Ficou pálida ao ver a ex-patroa entrar enfurecida na residência.

Subitamente, Olga sentiu o corpo esfriar e ficar cada vez mais frágil. Marilda havia pedido demissão há três meses alegando que precisava cuidar do filho que estava doente. Mesmo com todas as concessões oferecidas pela patroa, a empregada que trabalhava na casa desde os primeiros dias do casamento recusou e afirmou sua demissão.

Aquele filme agora começava a fazer sentido. Marilda havia pedido demissão após se apaixonar por Ernesto e agora seu marido mantinha uma casa com a empregada que a traiu por anos debaixo de seu nariz. Tudo parecia fazer sentido quando Ernesto e uma mulher loira, aparentemente mais velha, com a testa suada e vestida às pressas surgiam na sala para ver o que tinha acontecido. Marilda não havia pedido demissão pra cuidar do filho doente e nem para ser a amante às escuras de Ernesto, mas para servir de governanta e cuidar do ninho de amor de Ernesto e vigarista loira e suada que vestia uma blusa amassada e uma calça mal colocada.

A fúria de Olga virou sangue. Tendo as mãos como arma, avançou em Ernesto de modo que nem Marilda e Goreti a contiveram. Suas mãos feriam-lhe o rosto como se fosse um objeto metálico. O sangue das feridas na boca e nas bochechas tomaram conta de todo o rosto, sujando o chão amarelado da sala e a camisa mal posta. Enquanto Marilda ainda se recuperava do susto, uma vez que em menos de dois minutos Olga entrava na casa como um furacão e arrasava seu marido, recebeu um soco na face que a derrubou. Nem Marilda foi poupada. Não caiu, mas a bofetada de Olga também a estremeceu. Num rompante, puxou Ernesto pela gola e o arrastou para o carro.

Em casa, o clima parecia de um funeral. A pequena Liz via os pais se misturando no chão do quarto. Nunca tinha visto o pai daquela forma, mesmo que houvesse algumas discussões vez ou outra. A mãe parecia furiosa com algo que ela não compreendia. Escapando dos braços da sua babá, correu ao encontro dos pais para que se contivessem.Olga a colocou no colo e se desculpou, afagando a menina. Levou Liz até o quarto, a trocou, penteou seus cabelos com a leveza de uma brisa. Estava na hora da aula de Balé na Companhia da Professora Tereza, amiga de infância de Olga.


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