Sublime Devir

Capítulo 3

Olga havia convencido Ernesto de que teria o perdoado. Tudo parecia voltar ao normal na residência dos Amaral Borges. A celebração por novos tempos, de reconciliação e de amor viria com um jantar oferecido por Olga aos amigos do casal.

A sala começava a lotar. Olga vestia um longo branco que arrastava pelo chão de pedra fria da sala principal. Liz vestia tons de rosa num vestido que parecia de princesa. Ernesto parecia vigoroso num terno cinza com risca de giz. A família perfeita desfilava entre os convidados, dando sinais de que a maré ruim havia passado.

Tereza e André eram um dois casais convidados para a confraternização. A amizade foi tecida pelo tempo como uma enorme teia de crochê, cercada por momentos primorosos, zelo, atenção e muito afeto. Tereza e Olga eram amigas de infância. Cresceram no mesmo bairro e foram unidas quando Tereza foi expulsa de casa após ser aprovada numa Companhia de Dança. Seus pais queriam uma filha médica, haviam investido muito dinheiro na formação da menina e não aceitavam que ela largasse a medicina para se dedicar à dança. Diziam que ela acabaria nos bordeis.

Vendo a amiga jogada à sorte, Olga a trouxe para dentro de sua casa, convivendo como se fossem irmãs. As duas adolescentes, na época com dezessete anos, eram tão diferentes mas pareciam se equilibrar. A força externa de Olga era acompanhada por uma fragilidade interna gigantesca. Todo o seu vigor físico, corporal e de atitudes vinham com um emocional abalado, sempre muito fragilizado e depressivo. Tereza tinha o corpo frágil como um cristal. Era muito franzina e sua leveza a ajudava no balé, porém sua energia e personalidade forte a faziam grande. Dona de uma áurea de paz, leveza e tranquilidade, tocava a vida de abandono e dificuldades como podia. Olga sempre a amparou, desde quando a amiga tinha sido jogada às traças pelos pais até quando fora chamada para uma Companhia de Dança na Rússia. Após doze anos, Tereza retornou à cidade como uma bailarina de renome, com dinheiro, prestígio e fama suficientes para abrir uma Companhia que carregava seu nome.

Enquanto se consolidava com a maior personalidade da dança brasileira, sendo premiada em diversas localidades, feito nome, fama e fortuna no exterior e comandando as maiores organizações do ramo, conheceu André num evento de dança clássica do Theatro Municipal. André acompanhava o irmão, que investia na conquista de uma bailarina que se apresentava nos finais de semana. De tanto se cruzarem, André e Tereza passaram a conversar, passaram a um café, um suco, a um namoro de mais de cinco anos e a um casamento que rendera o afeto e a sensação de satisfação que a frieza da carreira ainda não havia trago a Tereza. Seu irmão havia sido tão insistente que só havia conseguido despertar antipatia na moça que queria conquistar. O destino fazia com que o despretensioso que acompanhava o irmão por solidariedade conseguisse conhecer o amor de sua vida.

As amigas se cumprimentaram com o olhar de afeto mais genuíno. De longe, pela diagonal, se entreolharam como se estivem em saudação. Liz e Clara corriam ao encontro como melhores amigas, como se seguissem, por hereditariedade, o carinho que as mães compartilhavam.

Olga estava ansiosa pela chegada de sua convidada ilustre. Um carro de luxo da família chegaria com a mais aguardada das presentes, pelo menos para Olga.

O carro que trazia Goreti recebeu permissão para estacionar em frente à entrada principal da casa. O conversível vinha lentamente atraindo como um ímã a atenção de todos. Parado em frente aos poucos degraus de pedra acinzentada que separava o alpendre dos jardins de inverno. A dama vinha num vestido lilás escuro, que parecia colocado à vácuo no corpo. Todos os olhares se voltavam para Goreti.

Imediatamente Tereza se dirigiu a Olga para saber o que estava acontecendo. Amiga de anos da família, Tereza nunca tinha visto aquela mulher transitando nos eventos, mas a reconhecia pela descrição que Olga tinha feito na aula de dança dias antes: