VII

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"Literature is the most agreeable way of ignoring life."
― Fernando Pessoa, Livro do Desassossego 

  Tudo no mundo existe para acabar num livro. Não me lembro da vida antes de ler. Talvez não tenha vivido até ler pela primeira vez e assim sendo comecei a viver tarde mas agora vivo, e vivo a sério. Há quem diga "Porque lês, se podes sonhar?" ao que respondo "como podes sonhar sem ter lido?". Ora é verdade que se pode sonhar sem nunca se ter pegado num livro, mas que sonhos tão monótonos, tão aborrecidos e invariáveis serão esses!

  À minha volta erguem-se estantes com universos inteiros, e involuntariamente cravam-se-me os olhos no livro do moço que está diante de mim "O fim das estações". Sem querer reparo, não na sua face, mas nas suas mãos e como seguram aquela arma que poderia causar a quem o lesse toda uma devastação sem fim ou sarar feridas que não se sabia ter.

  As suas mãos não me dizem de que tipo de livro se trata, se de destruição ou cura, porém isso não me impede de acreditar que se trata dum livro que nos fere e apunhala, porque são esses que valem a pena ler. Se o livro que lemos não nos acorda como um golpe na cabeça, para o que lemos? O tipo de livros que nos fazem felizes são o tipo que conseguíamos escrever se o tivéssemos de fazer. Mas precisamos é dos livros que nos afetam como um desastre, que nos afligem profundamente, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós mesmos, como um suicídio. Um livro deve ser a machadada que quebra o gelo dentro de nós. Essa é a minha crença.

  O som duma lágrima que cai sobre a folha de papel é aquilo que me devolve ao presente. As mãos do rapaz tremem agora em reflexo do que o seu coração sente. Pressinto que se vê na personagem, talvez na situação, porque os livros são espelhos e só vemos neles o que já temos dentro de nós. Para alem disto creio no refugio que lhe proporciona a leitura.

  A leitura é a minha fuga e o meu conforto, o meu consolo, a minha atividade predileta: ler por puro prazer, pela bela quietude que nos rodeia quando ouvimos as palavras de um autor reverberando na nossa cabeça. Achamos que a nossa dor e o nosso coração partido são sem precedentes na história do mundo, mas depois lê-mos. E são os livros que nos ensinam que as coisas que mais nos atormentam são as mesmas coisas que nos ligam a todas as pessoas vivas, e a todas aquelas que alguma vez estiveram vivas.

  Um bom livro deve providenciar-nos diversas experiências e deixar-nos exaustos no fim. Pois enquanto lemos vivemos diversas vidas. E é o suspiro de exaustão e o fechar do livro que me indica que  "O fim das estações" é um livro que vale a pena ler. 

   

(Texto escrito com base em várias quotes sobre ler)

Sermões de um PeixeOnde histórias criam vida. Descubra agora