4 dias depois

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Camila

Eu podia dizer que algo estava errado apenas pelo modo como as pessoas falavam - não havia aquela habitual animação das aulas de escrita criativa, o que por si só já era estranho, porque 1) era a aula de Roger, e todos o amavam e 2) era segunda-feira, o que significava que todo mundo supostamente deveria estar tagarelando sobre o final de semana incrível e a festa da garota das aulas de dança; mas o que mais me chamou atenção foram os cochichos, que não vinham acompanhados de risos - como no caso das fofocas - mas de um estranho silêncio. Era quase como se o ar estivesse...pesado. Mórbido, talvez.
Um tremor passou por meu corpo quando me sentei atrás de Marielle, que se virou ao mesmo tempo em que Alex se sentava ao meu lado.
- Então, você soube? - ela perguntou, baixinho, com os olhos arregalados, como se algo assustador tivesse acontecido, e levemente animados por estar compartilhando uma novidade quentíssima com os amigos.
- Do que? - me virei para os dois, e Alex tirou os olhos de seu celular, ao mesmo tempo em que algumas pessoas de repente pareciam interessada em nossa conversa.
- Meu Deus, onde você esteve o final de semana todo? Em Marte?
- Ela estava ocupada, óbvio - Alex me lançou um olhar malicioso, e demorei um pouco pra entender que ele estava falando sobre Nick, talvez porque eu mal o havia visto naquele final de semana - eu mal conseguia encará-lo desde aquela noite.
- E você? Finalmente criou coragem para falar com o garoto da arquitetura? - nós sempre o provocávamos pelo fato de ele ter uma queda por um garoto magricela, mas nunca conseguir reunir coragem o suficiente para chamá-lo pra sair.
- Tive que cuidar de Margareth esse final de semana - ele fez uma careta, mas ambos sabíamos que era um de seus passatempos favoritos. Ele e sua irmã tinham uma espécie de relação especial, que não se estragava nem mesmo no ambiente tóxico que seu pai criava.
- Vocês dois querem parar de tagarelar e me deixar falar? - Marielle revirou os olhos, nos passando uma bronca, e então baixou o tom de voz, como se estivesse prestes a dizer algo muito importante - Então...alguma teoria sobre o que tenha acontecido com ela?
- Talvez tenha sido presa - Alex deu de ombros, me deixando confusa. De que raios eles estavam falando? - Maconha ainda não é legalizada por aqui...
- Pare - Marielle deu um tapinha em seu braço, disfarçando uma risada - Qual sua teoria, Cami? Você é ótima nisso.
- Não faço ideia do que vocês estão falando - suspirei, começando a ficar mal humorada por estar de fora daquela conversa. Aquela estava sendo uma manhã ruim, e eu ainda nem havia esbarrado nela.
- Lucia sumiu. Sabe? A garota de cabelo cor de rosa, namorada daquela estranha da Vero - ela falou a última parte olhando para os lados para se certificar de que ninguém havia ouvido, e por alguns instantes eu congelei. Não era pra estarmos falando sobre ela - eu não devia nem estar pensando naquele nome. Na verdade, era pra aquela noite não ter acontecido.
- Não faça essa cara, você mal a conhecia...
- Hmm...o que aconteceu? Ela está bem? - algo no modo como Marielle disse aquilo me deixou preocupada, e de repente milhões de possibilidades passaram por minha cabeça, sendo a última delas o fato de a garota ter levado um pé na bunda da namorada por minha causa, e de todos estarem sabendo daquilo. Não - Marielle teria dito algo. Na verdade, ela teria me ligado no meio da madrugada para saber todos os detalhes quentes.
- Ninguém sabe. Parece que ela simplesmente sumiu. Puff! - ela fez uma espécie de gesto com as mãos no ar, e Alex me encarou, parecendo em dúvida entre rir ou revirar os olhos.
- Como assim sumiu? - uma vozinha maluca no fundo de minha cabeça começou a se perguntar se eu tinha algo a ver com aquilo; se aquela noite tinha alguma relação, e então a espantei, porque aquilo era ridículo.
- Vero e aquela garota bonita fizeram uma festa que supostamente era pra ela e ela nem apareceu.
- Talvez elas tenham brigado ou algo assim - Alex deu de ombros, como se não fosse importante, e eu estava prestes a brigar com Marielle por criar toda aquela cena quando ela disse, parecendo de fato preocupada:
- Ouvi Lauren dizer que ela não aparece em casa há, sei, lá, uns quatro dias. Parece que a namorada maluca está acobertando ela, mas ninguém sabe o que aconteceu...
- Talvez ela realmente tenha sido presa - Alex se virou, não dando importância ao assunto, mas de repente me vi repassando todos os detalhes daquela noite - todas as coisas em que eu vinha incessantemente evitando pensar nos últimos dias.
- Talvez ela só esteja dando um tempo - fingi que aquilo também não me preocupava, e Alex concordou - Quando...alguém a viu pela última vez?
- Eu não sei, mas vou tentar descobrir - ela piscou para mim, e Vero entrou na sala, silenciando de repente todas as conversas, e embora Marielle tentasse disfarçar tagarelando sobre algum assunto aleatório, tudo o que eu conseguia pensar era naquela agenda em minha bolsa.
Parte de mim queria abri-la, para tentar descobrir se a garota havia deixado alguma pista ali, e parte de mim - a racional - sabia que aquela era uma grande desculpa, e eu não podia invadir sua privacidade daquela maneira. Lucia provavelmente estava em alguma festa, no Caribe, ou simplesmente dando um tempo. Ela apareceria e então eu iria devolver sua agenda, intacta, e tudo voltaria a ser como antes - eu repetia aquelas palavras para mim mesma, tentando ignorar todas as sensações que invadiam meu corpo, acompanhadas pelas lembranças daquela noite.

...

- Vamos na cantina? Eu realmente preciso de um café - Alex massageou os dedos em suas têmporas, me puxando pelo braço - Vamos, eu te pago um chocolate.
- É uma boa proposta - eu o acompanhei, embora meus planos fossem ficar em algum lugar como a biblioteca, onde eu pudesse passar despercebida. Eu não queria encontrar Nick, porque ainda não fazia ideia de como eu iria encará-lo depois de tudo o que havia acontecido.
Eu o conhecia - quer dizer, nós estávamos juntos há cerca de um ano - e sabia que ele não era do tipo ciumento, e eu também sabia que apenas um beijo que não significa nada não iria mudar nossa relação. Mas a verdade é que não havia sido apenas um beijo, e eu não sabia como explicar aquilo a ele, porque eu não conseguia explicar nem para mim mesma.
- Você está quieta - Alex me olhou atentamente, enquanto eu enchia meu chocolate de açúcar - Você e Nick brigaram?
- Não, nós estamos bem - eu sorri, sabendo, no momento exato em que disse aquilo, que era uma grande mentira. Eu o havia traído - de uma forma que não soava, para mim, meramente casual, e aquilo estava me matando, porque eu não conseguia tirar da minha cabeça. Eu não conseguia tirar aqueles olhos da minha cabeça.
- Ok... - Alex deu de ombros, não parecendo convencido, e eu perguntei sobre ele e o garoto da arquitetura, o que o fez corar.
- Estou trabalhando nisso - ele se limitou a dizer, e eu sabia que, em algumas semanas, ou talvez menos, eles estariam juntos. De nós três, Alex era o sedutor - ele sempre conseguia ficar com as pessoas que queria. Marielle apostava que era o seu olhar - ele tinha uns olhos bem bonitos, que pareciam te enxergar profundamente, mas eu tinha quase certeza que se tratava daquela voz.
- Me mantenha informada...
- Ei - me virei assim que ouvi a voz de Nick se aproximando, e a primeira coisa que pensei foi que não haveria como fugir. Droga, eu estava agindo como uma louca - querendo espionar a agenda de uma garota que eu mal conhecia, traindo meu namorado, fugindo dele...que diabos estava acontecendo?
- Ei - sorri para ele, que não se inclinou para me beijar, como normalmente fazia, embora eu sempre dissesse que não gostava daquelas demonstrações na faculdade.
- Podemos conversar? - ele me encarou, depois de cumprimentar Alex rapidamente, e assenti, sabendo que eu não poderia fugir daquilo.
Ele entrelaçou sua mão na minha, me levando em direção à escada atrás das quadras - o nosso lugar - e se sentou em um dos degraus.
- Quer me dizer o que aconteceu? - ele me lançou um olhar preocupado, e de repente me senti uma idiota por tudo aquilo. Ele era meu namorado - meu Nick, o garoto do cabelo ondulado que cheirava à shampoo de menta, e dos beijos que aqueciam cada parte do meu corpo. Ele era o meu namorado, e eu estava agindo como uma maluca.
- Me desculpe. Não responder suas mensagens, ir embora daquele jeito...eu só... As coisas estão um pouco complicadas.
- Foi algo que eu fiz? - ele acariciou meu rosto, daquela maneira que fizera meu coração se acelerar em um de nossos primeiros encontros, e tentei não pensar no fato de que, naquele momento, tudo o que senti foi a quentura da ponta de seus dedos.
- Não! Claro que não... - eu segurei sua mão sobre meu rosto, beijando então as pontinhas de seus dedos.
- Tem a ver com Chris? Você quer falar sobre isso - ele pronunciou aquele nome, e uma pontada pareceu se instalar em meu estômago. Sim, eu queria responder. Tinha a ver com o aniversário de meu irmão morto, e com o fato de eu ter passado o dia todo tentando fingir que era só mais uma data comum, e de aquilo tudo ter acabado mal. Mas eu não conseguia falar sobre aquilo - eu simplesmente não podia.
- A gente pode falar sobre isso mais tarde? - perguntei, mal conseguindo encará-lo - Por favor?
- É claro - ele disse, colocando seus braços ao meu redor, e me puxou para aquele abraço que costumava fazer eu me sentir segura, como se todos os problemas do mundo desaparecessem, e naquele momento desejei tão intensamente que aquela sensação ainda estivesse presente que precisei abrir os olhos, para chegar se Nick podia me ouvir.

Never be the sameOnde histórias criam vida. Descubra agora