Capítulo 02 - Inocência

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Onze anos depois


Jorel fechava seus olhos por um segundo, ele conseguia sentir os ventos que cortavam tudo ao seu redor tocarem levemente sua pele e fazerem com que todos os pelos de seu corpo se movessem em uma só direção, escutava o barulho dos pássaros e os passos dos cervos que contornavam a floresta em busca de seu alimento, e enquanto ele puxava ar pelo seu nariz era como se a floresta se preparasse junto com ele, os ventos cessavam por um só momento, os animais paravam de se mover e Jorel abria seus olhos.

Com seus olhos abertos e corpo mais calmo ele então prosseguia sua missão, tirava de suas costas um arco e flecha e se colocava em posição para atacar, um pequeno veado parava alguns metros a sua frente, como se pedisse para ser o alvo, era a sua chance, afinal não era por ser um homem que ele não tinha o direito de caçar na floresta. Ele puxava a linha de seu arco enquanto liberava o ar preso em seus pulmões, como se soltasse seu sentimento de culpa. Os dedos dele tremiam um pouco, talvez pela força que ele utilizava, ou, talvez, simplesmente por medo.

A corda se soltava.

Ela era atirada no momento em que o veado levantava sua cabeça, olhando diretamente para os olhos de Jorel. Eles conseguem se encarar pelo que pareciam ser minutos, uma última despedida, quando a flecha finalmente acertava seu alvo: Um javali que tentava se aproveitar da inocência do pequeno filhote de veado e que se esgueirava pelas sombras para o atacar pelas costas.

A flecha, que não tinha ponta e sim era arredondada em seu fim, bate diretamente na testa do javali e em seguida quica com destino ao chão, o javali dá um ronco com o susto e levanta suas patas dianteiras o que faz o veado sair correndo.

Jorel abre suas mãos com seus polegares apoiados nas bochechas e as balança enquanto coloca a língua para fora, caçoando o javali. A fera irritada começa a bater seus pés no chão, preparando para atacar Jorel que estava ocupado demais gargalhando para notar o que estava prestes a acontecer.

O animal, parte em disparada, sua investida com toda certeza tinha o poder de matar uma criança, e é nesse momento que Jorel finalmente se toca e rapidamente se recompõe correndo do mesmo, no entanto, enquanto os dois pareciam estar em uma perseguição de vida ou morte, presa e predador, a expressão de cada um representava exatamente o contrário.

Jorel continuava rindo enquanto corria e o javali, mesmo raivoso, parecia estar se controlando, como se não quisesse realmente atacar a criança, era como se tudo não passasse de uma simples brincadeira para os dois.

- Porco muito lento! - Ele continuava a brincar com o javali que apertava o passo para alcançar Jorel, o animal balançava sua cabeça em direção a criança o que fazia ele ser jogado para cima com o impacto.

Jorel era jogado para cima até mesmo das árvores, mas não parecia aterrorizado, muito pelo contrário, seu coração quase parava por um segundo enquanto seus olhos brilhavam vendo a incrível paisagem lá de cima. Era simplesmente perfeita.

Animais de todo o tipo de espécie correndo para lá e para cá, árvores de troncos fortes e folhas verdes que iluminavam a floresta enquanto contornavam belos rios de águas cristalinas, tão transparentes que podíamos até mesmo daquela altura ver os peixes que nadavam entre elas

E mais distante algo que chamava a atenção de Jorel, um local que não havia tanto verde, mas que não deixava de ser mágico, pareciam grandes estruturas de pedra e madeira que ele nunca via na floresta, o que poderia ser aquilo? Existiam até alguns animais estranhos que andavam em duas patas como ele, mas que ele não podia ver tão bem pela distância, o mistério o fazia sorrir por um instante antes de começar a cair.

Seu sorriso continuava no rosto e ele fechava os olhos caindo de volta ao chão, em sua queda majestosa seus cabelos e roupas eram jogados para cima com os ventos que o cobriam e ele abria seus braços, como se abraçasse esse mesmo vento que o envolvia. De alguma maneira ele passava ileso em meio a todas as árvores e galhos e Jorel rapidamente pousava nas costas do javali segurando em suas presas.

O animal tropeçava um pouco com o peso repentino nas suas costas, mas seguia em frente, a caminho das montanhas onde Jorel vivia junto com seu pai. Era hora de o ver novamente, antes que escurecesse.

Alguns minutos se passavam quando Jorel finalmente chegava a sua casa, no topo das montanhas, onde seu pai deveria se encontrar. "Casa" era mais um nome simbólico, já que o local não passava de uma fogueira no centro com duas camas de folhas ao redor do fogo, mas mesmo sendo tão simples nem ele nem seu pai conseguiriam se imaginar vivendo em outro lugar que não fosse esse.

Jorel posicionava ambos os dedos indicadores em sua boca e dava um assovio alto enquanto subia os últimos degraus com seu javali companheiro ao seu lado, o barulho era tão alto que ecoava sobre quase toda a floresta fazendo alguns pássaros mais próximos a montanha voarem para longe com medo, Jorel dava uma risadinha quando via que tinha os assustado, o Javali olhava para ele irritado enquanto tentava coçar sua orelha em alguma pedra próxima.

Seu pai estava sentado em frente a fogueira, tentando acendê-la, e apenas limpa um pouco um de seus ouvidos com seu dedo mindinho antes de se virar para a criança com um sorriso no rosto.

- Jorel! E trouxe comida também? - Dizia o velho enquanto apontava com a cabeça para o javali que ainda se coçava na pedra enquanto botava sua língua para fora lambendo seus lábios.

O javali se assustava na hora, dando um pulo e ficando pálido, ele corria para baixo da montanha com medo e deixava os dois lá em cima a sós. Jorel e seu pai começavam a rir da reação do animal enquanto a criança se sentava ao lado de seu pai na fogueira.

Ele pegava as duas pedras das mãos de seu pai e as batia só uma vez, criando uma faísca que começava a se evoluir em chamas nos gravetos que estavam abaixo da mesma. Jorel não conseguia entender como algo tão fácil podia ser difícil para seu pai, na verdade, havia muitas coisas que ele não entendia, porque seu pai parecia sempre tão cansado e porque sua pele era enrugada? Talvez ele só estivesse um pouco doente.

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⏰ Last updated: Feb 01, 2018 ⏰

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EROJ - O último heróiWhere stories live. Discover now