EPISÓDIO IV - UMA NOVA ESPERANÇA

623 85 48
                                    


Nem vinte e quatro horas em Ponte Belo e Rafael já tinha pensado em dezenas formas de morrer. O que o deixava com mais vontade de morrer ainda, porque percebia que estava sendo mais dramático do que um cara com vinte e seis anos, num bom emprego, recebendo um bom salário, branco e hétero poderia ser.

Ele abriu a porta do único lugar que se sentia confortável por toda a cidade, num rompante, fazendo a dona do estabelecimento pular atrás do balcão.

— Nossa Senhora dos Cafezais, Rafael! – Ela levou a mão ao peito. – Você quer me matar ou quebrar a porta do meu Café?

Ele deu seu primeiro sorriso depois de muitas horas.

— O que foi? Por que você está com essa expressão de quem vai matar alguém?

— Era para ser um sorriso.

— Muito tempo ao lado de seu pai?

Rafael beijou o rosto da amiga e deixou seu corpo cair sobre o banco em frente ao balcão.

— Caio disse que vocês combinaram de beber?

— É a única coisa que a gente ainda consegue combinar. – Ele deu de ombros.

Luana arqueou a sobrancelha para ele, mas Rafael desviou sua atenção para o lugar.

— Cada vez mais lotado, hein?

— Eu nasci para o negócio.

— É, você nasceu mesmo.

— Você não está muito bem, não é?

Ele suspirou.

Era estranho como seus amigos podiam ser tão diferentes entre si, e ainda serem bons juntos. Rafael era o pragmático, Pedro era o intelectual, Caio era objetivo e Luana era a sonhadora. Mesmo entre ele e Caio, dois sujeitos apaixonados por números, a visão era tão discrepante que só de pensar ele quase ria. E, embora Pedro fosse excelente em bancar Mestre Yoda, era Lua a mais perceptível.

— Afinal, como foi que ficamos amigos? – ele perguntou, por fim.

— Ah, você sabe, eu adoro ser amiga de um idiota...

— Você é cruel.

Lua sorriu, debruçando-se sobre o balcão.

— Eu estava na casa de Pedro quando Simas deu uma festa para sua alta, você não se lembra? Eu te olhei e falei: o vento vai te carregar se você não comer mais.

Rafael riu, fechando os olhos.

— E eu retruquei: e se você continuar com dentes tão grandes pode virar uma roedora de verdade.

— Você era cruel.

— Tá brincando? Você furou o joelho do Caio naquele jogo idiota!

— Ele mereceu.

— Ele sempre merece. E, além disso, eu não era cruel. Seis anos no hospital não te dão o melhor trato social.

— Mas tinha um sorriso lindo. Ninguém nunca conseguiu ficar com raiva de você por muito tempo.

— Exceto meu pai.

— A maior parte dos homens desse mundo não merece nossa atenção, Rafael. A gente só tem que aceitar essa verdade de um jeito melhor. Você quer um Latte?

— Minha mãe está morrendo.

E, depois que disse isso, Rafael não só percebeu que era a primeira vez que dizia aquilo em voz alta, mas para si mesmo. Era a primeira vez que realmente pensava sobre aquilo. Era natural que ele só pensasse isso ao lado de Lua, porque Lua era assim, mas a dor que ele sentia no coração não podia ser natural.

Rafael e Outros Cálculos ErradosOnde histórias criam vida. Descubra agora