Nem vinte e quatro horas em Ponte Belo e Rafael já tinha pensado em dezenas formas de morrer. O que o deixava com mais vontade de morrer ainda, porque percebia que estava sendo mais dramático do que um cara com vinte e seis anos, num bom emprego, recebendo um bom salário, branco e hétero poderia ser.
Ele abriu a porta do único lugar que se sentia confortável por toda a cidade, num rompante, fazendo a dona do estabelecimento pular atrás do balcão.
— Nossa Senhora dos Cafezais, Rafael! – Ela levou a mão ao peito. – Você quer me matar ou quebrar a porta do meu Café?
Ele deu seu primeiro sorriso depois de muitas horas.
— O que foi? Por que você está com essa expressão de quem vai matar alguém?
— Era para ser um sorriso.
— Muito tempo ao lado de seu pai?
Rafael beijou o rosto da amiga e deixou seu corpo cair sobre o banco em frente ao balcão.
— Caio disse que vocês combinaram de beber?
— É a única coisa que a gente ainda consegue combinar. – Ele deu de ombros.
Luana arqueou a sobrancelha para ele, mas Rafael desviou sua atenção para o lugar.
— Cada vez mais lotado, hein?
— Eu nasci para o negócio.
— É, você nasceu mesmo.
— Você não está muito bem, não é?
Ele suspirou.
Era estranho como seus amigos podiam ser tão diferentes entre si, e ainda serem bons juntos. Rafael era o pragmático, Pedro era o intelectual, Caio era objetivo e Luana era a sonhadora. Mesmo entre ele e Caio, dois sujeitos apaixonados por números, a visão era tão discrepante que só de pensar ele quase ria. E, embora Pedro fosse excelente em bancar Mestre Yoda, era Lua a mais perceptível.
— Afinal, como foi que ficamos amigos? – ele perguntou, por fim.
— Ah, você sabe, eu adoro ser amiga de um idiota...
— Você é cruel.
Lua sorriu, debruçando-se sobre o balcão.
— Eu estava na casa de Pedro quando Simas deu uma festa para sua alta, você não se lembra? Eu te olhei e falei: o vento vai te carregar se você não comer mais.
Rafael riu, fechando os olhos.
— E eu retruquei: e se você continuar com dentes tão grandes pode virar uma roedora de verdade.
— Você era cruel.
— Tá brincando? Você furou o joelho do Caio naquele jogo idiota!
— Ele mereceu.
— Ele sempre merece. E, além disso, eu não era cruel. Seis anos no hospital não te dão o melhor trato social.
— Mas tinha um sorriso lindo. Ninguém nunca conseguiu ficar com raiva de você por muito tempo.
— Exceto meu pai.
— A maior parte dos homens desse mundo não merece nossa atenção, Rafael. A gente só tem que aceitar essa verdade de um jeito melhor. Você quer um Latte?
— Minha mãe está morrendo.
E, depois que disse isso, Rafael não só percebeu que era a primeira vez que dizia aquilo em voz alta, mas para si mesmo. Era a primeira vez que realmente pensava sobre aquilo. Era natural que ele só pensasse isso ao lado de Lua, porque Lua era assim, mas a dor que ele sentia no coração não podia ser natural.
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Rafael e Outros Cálculos Errados
Short Story(SPIN-OFF PROMOCIONAL DA HISTÓRIA "AS ESTRELAS SABEM" - em breve, na Amazon) Rafael Albuquerque é um cara de sorte - ou, ao menos, é isso que ele vai te fazer enxergar. Filho mais velho de uma família rica, engenheiro civil em ascensão dentro da emp...