EPISÓDIO II - ATAQUE DA PRESSÃO SOCIAL

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O silêncio é a melhor parte de morar sozinho.

E, também, a pior.

Depois de quatro anos ocupando um apartamento, Rafael tinha mais consciência do quanto isso era real.

Ele fugiu de Ponte Belo como Lúcifer Morningstar fugiu do inferno, não porque ele odiasse a cidade, mas porque viver em sua casa era insuportável. Todas as brigas, as cobranças, os olhares de decepção de seu pai quando ele andava um centímetro fora da linha que os Albuquerques nutriam... tudo fez com que a cidade que lhe dera os melhores amigos se tornasse o inferno pessoal que ele não conseguia lidar.

É claro que o dinheiro que ele recebia como engenheiro na empresa que trabalhava ajudou naquela decisão. Mas Rafael teria ido embora de qualquer jeito, mesmo sem dinheiro. Porque o sonho de seu pai era que ele assumisse um lugar na empresa de seu padrinho, e, embora ele até gostasse do cara que salvou sua vida, ele não queria trabalhar para sempre com os Vale.

Quer dizer, Lúcifer até podia ser o dono do inferno, mas chega um momento que qualquer entidade se cansa de vender a alma para quem se acha deus.

Ele jogou as suas chaves sobre o móvel ao lado da porta e deixou seu corpo cair no sofá, encarando o teto, no fim daquele dia exaustivo de trabalho. Com exceção do barulho do trânsito, a casa estava tão silenciosa que era quase acalentador, embora muito desnorteador.

Rafael ficou muito tempo encarando o teto, para não encarar as outras coisas.

Fazia dois anos que Ariela – a doce, teimosa e talentosa Ariela – havia lhe deixado, mas o lugar permanecia do mesmo jeito que ela decorou e, vez ou outra, ele era confrontado com o fato de que ainda morava numa casa que sonhou em dividir com sua namorada, mesmo depois de 698 dias que ela disse uma das piores palavras que o rapaz ouviu, e saiu, sem bater a porta e sem olhar para trás, de sua vida.

E era patético que ele ainda sentisse falta da ex-namorada.

Assim como era patético ele não ter reformado seu apartamento e tirado os quadros coloridos demais da parede, ou os tapetes, quando ele odiava tapetes, da sala. Era ridículo que seu quarto ainda tivesse fotos dela no porta-retrato ou que ele ainda usasse o perfume que ela havia comprado no primeiro ano de namoro, dizendo que combinava muito com ele.

Rafael tinha noção disso.

Ele só não tinha coragem de mudar todos os detalhes.

Havia dias que ele quase se esquecia daquelas particularidades da sua casa – como se seus olhos tivessem tão acostumados com a disposição dos objetos e móveis que não percebessem mais. Mas havia outros dias... que era insuportável ficar no seu apartamento.

Aquele era um daqueles dias.

Ele queria falar com alguém, mas pensar nisso só o fez refletir que, desde que Ariela o deixou, ele não tinha mais ninguém que pudesse chorar. Quer dizer, obviamente havia seus amigos. Mas todos estavam em Ponte Belo e como todos conheciam sua mãe e todos o adoravam – e, afinal, como alguém poderia não adorar Tânia? – ele não achava justo contar aquela notícia por telefone.

Ele nem, sequer, conseguia repetir aquilo para si mesmo, em voz alta.

Rafael não podia pegar estrada naquele momento, porque ainda era meio de semana e ele tinha duas reuniões importantes antes de sábado chegar. E, por mais que ele só quisesse esquecer até de seu nome, ficava um pouco difícil quando você era um operário nas mãos do capitalismo.

Então ele fez a única coisa que lhe sobrou fazer: ele trocou seu terno por uma bermuda, camisa leve e um tênis, e, mesmo debaixo de chuva, foi para a academia, correr na esteira até estar tão cansado a ponto de apenas se jogar na cama e dormir, sem precisar pensar.

Rafael e Outros Cálculos ErradosOnde histórias criam vida. Descubra agora